São Paulo - A primeira edição do Primavera Sound no Brasil, em novembro de 2022, foi um grande sucesso e é relembrada até hoje nas redes sociais pelas atrações inéditas e a boa organização. Isso fez que o festival, desta vez, trouxesse fãs não só dos cantores, mas também do próprio Primavera.
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O anúncio da segunda edição foi marcada por mudanças. A marca internacional fechou uma parceria prolongada com a produtora T4F, recentemente envolvida com polêmicas após a morte da jovem Ana Clara Benevides no show da Taylor Swift no Rio de Janeiro. Houve também uma mudança de local, deixando o Distrito Anhembi para trás e se instalando no Autódromo de Interlagos, que recebeu obras para melhorar a infraestrutura e a acessibilidade em eventos de grande porte.
Entre os dias 29 de novembro e 1° de dezembro, o Primavera na Cidade, o “esquenta” do festival aconteceu em casas de show de São Paulo, curado com atrações que tocaram no evento e outras exclusivas, tanto nacionais quanto internacionais, com enfoque em novos talentos. O Primavera Sound, agora encabeçado pelas bandas de rock The Cure e The Killers, ocorreu nos dias 2 e 3 de dezembro e reuniu uma multidão de amantes da música.
Destaques de sábado (2/12)
A banda sueca The Hives se apresentou logo no início do dia, enquanto os termômetros marcavam mais de 30°C na capital paulista. De qualquer forma, o calor passou longe de impedir que os roqueiros vestissem seus clássicos ternos e dessem um dos melhores shows de sábado. Em turnê mundial do disco The death of randy fitzsimmons, o primeiro álbum de estúdio do quinteto em 10 anos, The Hives reuniu uma quantidade impressionante de fãs que cantaram desde os maiores hits até os novos lançamentos. “Somos sua nova banda preferida”, disse, em português, o eufórico vocalista Prlle Almqvist.
Ícone do shoegaze, Slowdive realizou uma apresentação gostosa, porém, deixando um “gostinho de quero mais”. A vocalista Rachel Goswell adoeceu antes do festival e se limitou à dança e a alguns instrumentos, como a pandeirola e o teclado. Os fãs do grupo não pareciam estar tão animados – talvez, até pelo calor sufocante –, mas a atmosfera etérea criada pela banda é sempre encantadora, ainda mais pela presença sutil e, ao mesmo tempo, impactante do vocalista e guitarrista Neil Halstead. Neil, durante o show, vestiu uma camisa do grupo paranaense de shoegaze Terraplana, que tocou ao lado da banda no Primavera na Cidade.
A aposta nacional para a edição foi Marisa Monte. Embora a artista já tenha feito diversos shows ao redor do Brasil com a nova turnê “Portas”, a cantora brilhou e reuniu uma legião de fãs no festival em uma apresentação íntima e digna de headliner. Ao entardecer, todo o Autódromo de Interlagos cantou os sucessos Vilarejo e Infinito particular. Marisa Monte finalizou o show com uma homenagem à eterna Rita Lee e convidou ao palco Roberto de Carvalho, músico e viúvo de Rita. Eles cantaram Doce vampiro, cover da rainha do rock brasileiro, Mania de você, também da roqueira, e Já sei namorar, dos Tribalistas.
Por problemas pessoais, a cantora, DJ e produtora Grimes cancelou a presença no festival exatamente um mês antes do evento. Quem a substituiu foi a norte-americana Kelela, que mistura R&B alternativo com música dance nas canções. Em uma apresentação simples, com músicas lentas e sozinha no palco, grande parte da setlist de Kelela foi do aclamado LP Raven, lançado em fevereiro de 2023. Durante o show, a artista agradeceu o apoio do público e contou que recebe muitas mensagens de brasileiros nas redes sociais. “A maioria das respostas aos meus tuítes são em português e vem de brasileiros. Sempre tenho que traduzi-las”, disse.
Para muitos, os Pet Shop Boys foram a principal atração do dia. A dupla de synth-pop formada por Neil Tennant e Chris Lowe não visitava o Brasil há mais de 6 anos e fez diferentes gerações dançarem ao som de hits como Always on my mind, West end girls e Being boring. Com efeitos visuais alucinantes, os britânicos transformaram o Autódromo de Interlagos em uma discoteca e entregaram um dos melhores shows da segunda edição do festival.
Em 2022, a edição argentina do Primavera Sound compartilhou headliners com a brasileira. Isso se repetiu em 2023, com a exceção da banda de britpop Blur. No Brasil, ela foi substituída por The Killers, hit dos anos 2000. O grupo de Las Vegas se apresentou em Brasília e São Paulo em novembro de 2022 e rapidamente voltou ao país, que sempre recebe a banda com carinho. Foi com a clássica Mr. brightside que eles começaram o último show da noite e, fã ou não, foi impossível não se cativar pelo carisma do vocalista Brandon Flowers. Se arriscando no português, Flowers eletrizou o público em uma apresentação que, embora passe longe da melhor do grupo em território nacional, não deixou de ser divertida.
Destaques de domingo (2/12)
Uma das primeiras apresentações de domingo foi a de Carly Rae Jepsen. Foi em 2011, após o lançamento de Call me maybe, que a canadense alcançou popularidade mundial. O single ficou no topo das paradas de rádio norte-americanas por nove semanas seguidas e foi indicado a dois Grammys, os de Melhor Performance Pop Solo e Canção do Ano.
No Primavera, Jepsen provou que é muito mais do que uma “one-hit wonder”. Em turnê dos discos The loneliest time (2022) e The loveliest time (2023), conhecer o lado B não foi um problema para os fãs, que cantaram fervorosamente cada letra das músicas da popstar. Com uma presença encantadora, o carisma não se limitou à cantora, mas também à equipe — guitarrista, baixista e backing vocals, em especial — que dançaram e animaram o público debaixo de um sol escaldante.
A primeira apresentação de Marina Sena no Autódromo de Interlagos foi na nona edição do Lollapalooza, em março de 2022. Um ano e oito meses depois, a artista que tocou no Primavera Sound é outra. Com mais experiência, confiança e sensualidade, Marina apresentou o novo LP, Vício inerente, e conquistou o público. Durante o show, ela ainda revelou que voltará a fazer músicas com a sonoridade do disco de estreia, De primeira, mas rebateu as críticas que deixou o gênero MPB para trás: “Gente, eu ainda faço MPB, tá? É pop, mas é música popular brasileira”.
Marina Sena tem a voz criticada desde o início da carreira. O timbre próprio da artista não agrada a todos, o que faz a artista receber uma onda de comentários de ódio nas redes sociais. No evento, não foi diferente: enquanto os fiéis fãs cantavam e dançavam ao som de Mande um sinal ou Voltei pra mim, faixas que exibem a capacidade vocal da mineira, era possível escutar frases como “não sou obrigado a escutar isso” de pessoas que esperavam para ver outros shows.
Em meio às polêmicas, a irlandesa Róisín Murphy realizou o primeiro show no Brasil no Primavera Sound. Ícone da comunidade LGBTQIA+, a cantora de música eletrônica fez, em agosto deste ano, um comentário que desagradou parte dos fãs ao criticar o uso de bloqueadores de puberdade utilizados por crianças e adolescentes que desejam passar pela transição de gênero.
A ex-vocalista da banda Moloko realizou uma apresentação exótica e cheia de glamour. Com uma troca constante de figurinos, Murphy apresentou desde sucessos antigos, como Overpowered, até novos lançamentos, como Coocool e The universe, singles do sexto álbum solo da cantora, Hit parade, lançado em setembro de 2023.
Músicas românticas e guitarras encantadoras: Beck era, na teoria, um bom artista para anteceder o aguardado show de The Cure no palco Corona. O multi-instrumentista que mistura pop com rock alternativo, na prática, não comoveu o público brasileiro como o esperado. Por outro lado, a plateia morna vibrou quando o cantor afirmou que o primeiro show que foi na vida foi de Tom Jobim. “Eu adoro estar no Brasil, de onde vem a música que eu amo”, disse, alegre.
No dia anterior da apresentação no Primavera Sound, Beck cancelou um show solo no Rio de Janeiro uma hora antes da abertura dos portões por motivos de saúde. Os ingressos para o show estavam com 70% de desconto.
Logo antes de The Cure, a banda de punk-rock Bad Religion, formada por Jay Bentley, Greg Graffin, Brett Gurewitz e Jay Ziskrout, agitou não só o público que esperava ansiosamente por Robert Smith, mas, principalmente, as centenas de fãs que vieram ao festival especialmente para celebrarem o quarteto. Ao longo de um show barulhento, 21st century (digital boy), You e American jesus foram alguns dos hits presentes na setlist.
Por fim, o último show do festival foi o do The Cure. A banda britânica capitaneada por Robert Smith foi fundada no final dos anos 70 e é, até hoje, reconhecida globalmente como uma das mais influentes do rock alternativo. Em um longo show de 2h30, o repertório visitou diferentes eras do grupo e incluiu de tudo: momentos que acompanharam o blasé de Smith, como em Lovesong, sucessos comerciais, como Just like heaven e até novas canções, como And nothing is forever.
Em uma enorme plateia que misturava gerações, The Cure foi a estrela do Primavera Sound. Afinal, a grande maioria do público de domingo, emocionado, foi ao festival para vê-los. Ao fim da noite, o Autódromo de Interlagos foi à loucura com Boy's don't cry, hino punk-pop que marcou a história da música. Robert Smith foi ovacionado por quase 5 minutos enquanto agradecia no palco.
A apresentação é a quarta passagem de The Cure no Brasil. Depois de 1987 e 1996, a última vez foi em 2013, em que realizaram um show de 3h15 em São Paulo.
Análise e veredito
48 artistas foram alocados em 4 diferentes palcos: Corona, Barcelona, São Paulo e o TNT Club. Após a revitalização do Autódromo de Interlagos, o espaço entre os palcos diminuiu e isso, consequentemente, atrapalhou a acústica. Enquanto os fãs da cantora Marisa Monte assistiam ao show no palco Corona, era possível ouvir Kelela cantando no palco São Paulo, por exemplo. O mesmo ocorreu com Beck/Róisín Murphy e The Cure/The Blessed Madonna, no domingo (3).
Um problema que persiste desde a primeira edição do Primavera Sound é o das câmeras que transmitem os shows. Diferentemente de outros festivais, os equipamentos conectados às grandes estruturas — uma ao lado direito e outra ao lado esquerdo do palco — atrapalham, algumas vezes, a visão do espectador. Este ano, as seletas apresentações foram transmitidas pelo Multishow e também pelo Globoplay.
Fora esses fatores, a organização do Primavera Sound foi de primeira linha. Sem mais cabines sanitárias químicas, os banheiros estavam sempre limpos e bem localizados. Para a quantidade de pessoas presentes, o Autódromo de Interlagos foi uma boa opção para o festival, embora o Distrito Anhembi ainda seja o favorito de muitos.
A pior atração do Primavera Sound foi o calor. Após o Governo Federal ter estabelecido a distribuição gratuita de água em grandes eventos, 3 estações de água com 12 bebedouros foram espalhadas pelo festival, além da entrega de copos d’água descartáveis nas barricadas nos portões de acesso. Só passou sede quem quis, mas a falta de espaços cobertos e com sombras ficou evidente. De qualquer maneira, até para isso o festival tentou uma solução, disponibilizando gratuitamente protetor solar em parceria com uma marca de cosméticos. Devido às mudanças climáticas e o calor extremo, a realidade é que todos os festivais de música ao redor do mundo precisarão pensar em maneiras de como deixar tanto o público quanto os artistas mais confortáveis, visando a uma melhor experiência.
Nos próximos anos, é possível que nenhuma outra edição do Primavera Sound no Brasil — ou, sinceramente, de qualquer festival de grande porte — chegue aos pés da estreante, de novembro de 2022. Entretanto, isso não quer dizer que a experiência deste ano tenha sido ruim. Muito pelo contrário, mesmo com um público diferente do ano passado, o evento entregou um lineup fora do convencional em um ambiente tranquilo e seguro para se divertir. A expectativa é que o evento cresça de forma expressiva nas próximas 9 edições já confirmadas. O próximo Primavera Sound em São Paulo já tem data: 30 de novembro e 1° de dezembro de 2024.
*Estagiário sob supervisão de Samuel Calado.
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