Foi durante uma conversa com amigos acadêmicos que Paulo Kauim teve a ideia de escrever um livro sobre o lendário teatro Rolla Pedra. Inaugurada em 1984 em Taguatinga, a casa foi berço de um caldo cultural que incluía música, teatro e literatura. Um livro de entrevistas realizadas por Clarice Lispector, um achado em uma biblioteca do Sesc, forneceu a ideia do formato. Kauim sempre quis fazer um livro de entrevistas e encontrou na casa de Taguatinga o tema perfeito. Rolla Pedra Arte Utopia sob nuvens de chumbo, que será lançado nesya segunda-feira (4/12) no Clube do Choro, levou 13 anos para ficar pronto e conta um momento histórico da cultura brasiliense.
Com ensaios e entrevistas que trazem depoimentos de artistas de dezenas de bandas e grupos que se tornaram referência para a cidade — como Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial, Invoquei o vocal, Liga tripa, Detrito Federal e outros —, o livro mergulha no cotidiano de um espaço emblemático da cena brasiliense. "O Rolla Pedra era a alegoria da caverna do Platão ao contrário", explica Kauim. "Na caverna do Platão, a gente sai para encontrar luz, natureza. E no Rolla Pedra, a escuridão estava do lado de fora, era o regime militar e a gente entrava na caverna para encontrar luz, conhecimento, arte, o belo, o sublime, associado a uma inquietação política." O utópico do título aponta para o espanto de como foi possível criar um local de liberdade cultural durante um ambiente de censura e perseguição.
Uma parte do livro é dedicada às entrevistas e depoimentos e outra, a ensaios que trazem textos de artistas e jornalistas que vivenciaram a experiência. José Carlos Vieira e Severino Francisco, respectivamente editor e subeditor do Diversão&Arte, além de Paulo Pestana, colunista do Correio Braziliense, assinam alguns dos ensaios. "O Rolla Pedra era um local de utopia, várias tribos se encontravam por lá, não é como hoje, que tem a coisa do ódio. Naquela época, as tribos estavam juntas, mesmo sendo pessoas bem diferentes. E tinha música, teatro, cinema", conta o autor.
No livro, Kauim explica: "Antes da chegada do Rolla Pedra, a gente saía para assistir a shows de rock, MPB, música clássica, teatro e cinema no Plano Piloto. A chegada do Teatro Rolla Pedra representou esse lugar onde era possível amalgamar tudo o que gostávamos de ouvir. Herdamos um modo tropicalista de ouvir música e de mirar o mundo com olhos livres".
A pesquisa que resultou no livro começou há mais de uma década. Nas folgas do trabalho de professor em escolas do Distrito Federal, Kauim se debruçava sobre as entrevistas e o que chama de escavação, um mergulho demorado nos arquivos fotográficos de Ivaldo Cavalcanti. "Todo sábado eu tinha sessões fazendo escavações no acervo do Ivaldo, que é gigante, só de negativos. O material que encontrava, mandava digitalizar e fazia cópia. E o livro foi tomando corpo", conta. Boa parte das imagens que estão no livro — e pode-se dizer que a publicação é fartamente ilustrada — foram realizadas por Ivaldo Cavalcanti ao longo dos anos.
No total, Kauim levou mais de uma década para juntar o material e as informações, mas o texto foi montado durante um hiato, no início da pandemia, quando as aulas foram suspensas e o mundo ficou em estado de espera. O poeta e escritor contou com uma ajuda fundamental para estruturar o material. Apesar de não se tratar de um trabalho acadêmico, o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) João Gabriel Teixeira, morto em abril de 2017, orientou todo o processo.
O lançamento hoje será uma espécie de revival dos tempos do Rolla Pedra. Kauim quis fazer um minifestival para celebrar a publicação e convidou artistas que se apresentaram no espaço para um pequeno show. Participam da celebração Marlene Souza Lima, Rubi, Célia Porto e Rênio Quintas, Paulinho Moreno, Dicró, Rêne Bomfim, Ronaldo Alencar, Nanci Araújo e Gilson Alencar, que vão performar um pocket show.