Em 2021, o rapper e poeta Rico Dalasam encantou os fãs com o disco Dolores Dala guardião do alívio. No ano seguinte, lançou o Fim das tentativas, que, apesar de ser um EP, também agradou ao público. A trilogia se completou nesta quinta-feira (14/12) com o lançamento do disco Escuro brilhante, último dia no orfanato tia Guga, disponível em todas as plataformas de streaming. Em entrevista ao Correio, o artista falou sobre a história por trás do álbum.
“Acho que [o álbum] está em um lugar de fazer um exercício de celebrar os dias que eu consegui me entregar”, explica o artista uma definição do álbum. O tom adotado para o novo trabalho foi o alegre. No entanto, “não é a alegria pela alegria”, detalha Dalasam. “Faz parte de um processo e de uma elaboração que vai resultar na lembrança que existiram e existem dias mágicos, e isso é, sem dúvida, um avanço".
Assinam a produção de Escuro brilhante junto a Dalasam, Dinho Souza e Mahal Pita.
No álbum, Rico Dalasam busca retratar dias mágicos, nos quais ele pôde baixar a guarda e deixar as coisas correrem. “Espero que as músicas estejam traduzindo isso de modo que as pessoas percebam, para que também não fique só numa lógica de que eu fiz um disco de verão com letras quentes, com uma história de amor.”
Música e poesia
Rico Dalasam se considera um poeta. Para o artista, o poema é capaz de transformar até mesmo os cacos das desilusões da vida em algo bonito. “A arte dá conta de narrar essas coisas, e é bonito porque as ilustrações são de algo que se pressupõe curativo”, explica Rico. Ele afirma que tais construções — que lembram a de um vitral — são visíveis nas faixas Espero ainda e Paixão nova — a última do álbum.
Inicialmente o novo disco iria se chamar apenas Escuro brilhante, mas no meio do processo de produção, que envolveu diversos shows pelo Brasil, Rico Dalasam incluiu a performance no trabalho. “Eu entendi que faltava um contraponto, porque senão seria apenas um disco de músicas felizes em um verão, com um amorzinho e um drink fresquinho, quando, na verdade, eu tentava ilustrar qual a densidade de viver esses dias bonitos que essas músicas descrevem”, conta.
Para atingir o objetivo, o artista voltou ao marco zero. Daí surgiu a ideia de colocar o subtítulo Último dia no orfanato tia Guga. “É uma história real, mas não é documental. Não estou aqui no pretexto de fazer um documentário ou algo do tipo. Eu consegui, através da arte, pensar o traço que argumenta a história que eu quero contar e trazer isso”, avalia Dalasam, que ainda completa: “Esse sentimento transmuta, vai criando suas nuances e eu precisava situar a gente de onde eu estou tirando isso.”
Mais atual do que nunca
Não é de hoje que o perfil de quem faz rap e hip-hop no Brasil mudou. Os artistas contemporâneos agem, vestem-se e falam de temas diferentes dos tratados nos anos 1990, por exemplo. “Eu não tinha muito senso de imaginação”, relata Rico Dalasam sobre o que esperava da vida de artista. “Eu era um espectador e vinha das batalhas. Não pensava em espetáculo ou em indústria cultural, sobretudo entretenimento. Eu pensava só na paixão que eu tinha pela rima, pela cultura hip-hop. Era uma coisa romântica de cultura.”
O cantor reflete sobre os representantes da cultura urbana atual, como os trappers Teto e Veigh, além de mulheres como Flora Matos. “São pessoas que eu falo e que performam já em outra lógica do que é ser um rapper.” Segundo Dalasam, “ser um rapper mudou muito, e acho que cada década do hip-hop vai mudar”. “A beleza de uma cultura é ganhar sempre sua relação com a sua geração”, defini.
Rico defende que quem realmente é apaixonado pela arte não pensa mercadologicamente, mas que, à revelia, aprendeu muitas coisas sobre a indústria musical. “Na verdade, eu não acredito em indústria. O que existe no Brasil é um comércio”, declara. O artista relata o que sentiu durante o momento em que teve um imbróglio sobre direitos autorais relacionado à música Todo dia, uma colaboração com Pabllo Vittar. “Eu sei que tinha acabado pra mim em algum momento. Depois eu vi que não, que a minha palavra é o cajado que eu bato e as coisas se movem.”
Rótulos
Reconhecido como o precursor da cena rap queer no Brasil, Rico Dalasam não vê problemas nessas descrições. “Temos que levar em consideração as coisas além do tempo, e às vezes são colocados alguns marcadores”, esclarece o cantor. “No mercado eles não fazem muito sentido, mas na história da produção de cultura sim. Se olharmos para a linha do tempo, em algum momento vamos pensar em quando começou a ter diversidade no rap, por exemplo.”
Dalasam acha que alguém que funda e investe em uma manifestação cultural não recebe nenhum rótulo, mas uma descrição pertinente sobre a produção. “O tempo vem, as coisas vão, e nós somos condicionados a apagar e esquecer. E a grande desgraça de um povo é esquecer”, afirma. “Provocar o esquecimento é uma artimanha da colonialidade, inclusive. O colonialismo quer que você esqueça o antes do que era. Qual é a história antes da opressão? Qual é a história antes da escravidão?”, reflete.
*Estagiário sob supervisão de Ronayre Nunes
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