Crítica // No céu da pátria nesse instante ###
Um compacto das atrocidades pré-8 de janeiro dá sustância ao mais novo documentário de Sandra Kogut. Logo de cara, um personagem do filme sinaliza se Kogut seria "uma cineasta do bem" ou daquelas capazes de "favorecer os vermelhinhos". Tão risível quanto assustador. É na moderação, contraposta à zona de confronto entre os partidários de Lula e os de Bolsonaro, que a diretora transita. A fundo, ela sistematiza toda a sorte de senso comum repassado entre os brasileiros. Como que didaticamente ela explana o indiscutível: a total transparência no processo das eleições de 2023. De certa forma, a cidadania se viu à venda, e lá, em quadro, está o ambulante Osvaldo Pires que, entre indulgências modernas de bugigangas dos presidenciáveis, vaticina: "Aqui eu sou loja — loja vende dos dois". À falta de argumentos, Sandra cala e desmobiliza desinformados ou mentes nada articuladas. Sem agressão, desmistifica a noção da cabo-eleitoral Milena Batista de que política é muito cruel, "com ambiente machista e classicista". No fundo, o que Sandra faz é política, com restauro da democracia. No filme, há denúncia de compra de voto, exibição das blitzes que tentaram desestabilizar a votação carioca, e os descaminhos criados pela desinformação. Confusões, tiros
camuflados pelo som de fogos de artifício acirram a polarização incapaz porém de retirar a igualdade de peso de cada voto.
Além das constrangedoras imagens dos partidários antidemocracia, no Forte do Pinheirinho (Curitiba), o filme encampa os heréticos pastores que invocam a figura de Satanás e clamam "em nome do Senhor(?!)" por viradas de mesa no cenário político do país. Para além do desespero de presenciar os preâmbulos da eleição do governador do Rio de Janeiro Claudio Castro, um advogado de cátedra gospel, uma personagem ainda se vê obrigada à militância clandestina ("para não parecer nada"), num panorama que impossibilita expressões mais abertas (dado o encadeamento da violência associada aos partidários do "imbrochável" Bolsonaro). Esclarecedor, o filme presta o serviço de esclarecer o maquiavélico uso das acusações comunistas e o prenúncio do "saneamento no STF" (proposto por futuros delinquentes).
Sob parvo argumento da "intervenção federal", reinam registros de bizarrices compactadas em discursos que atrelam "Deus", a "Exército" e à incitação de violência num Brasil em que muitos se contentariam a "pular carnaval e São João". Além de uma imagem emblemática, na qual, sob a formação de uma rede de orações, um grupo vira as costas para dados de informação emanados pela tevê, ainda assusta uma sequência, pré-terrorismo fascista: o chamado Ferrerinha (um caminhoneiro) exige ver a "caixa preta" das eleições, numa conversa direta com Sandra Kogut, em que pesam realidades díspares só caladas pela contagiante sonoridade do (agora) clássico hit de Juliano Maderada.
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