Pessoas jogadas, à revelia, no Hospital Psiquiátrico Colônia (em Minas Gerais): esses são os protagonistas do longa Ninguém sai vivo daqui, filme que, fora de competição, abre, neste sábado (9/12), a 56ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. No centro da narrativa do longa exibido no Cine Brasília (EQS 106/107) estão pessoas rejeitadas pela sociedade. "De alguma maneira, são personagens incômodos, que eram enviados para espaços como o Colônia, numa espécie de prisão perpétua, sem julgamento ou direito a recurso", adianta o diretor André Ristum.
Com temas explorados numa série chamada Colônia, a versão em longa-metragem focaliza mais na história de Elisa, protagonista que, sob perspectiva interna e externa, conduz a trama. "A ideia era mostrar essa total falta de perspectiva, além da condução totalmente desumana praticada por instituições", conta Ristum, sobre o filme estrelado por Fernanda Marques, Augusto Madeira, Andréia Horta e Bukassa Kabengele.
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O roteiro escrito a seis mãos teve por base argumento de Ristum. "A partir disto, Marco Dutra, Rita Glória Curvo e eu desenvolvemos mais as ideias e trabalhamos muito juntos encontrando o desenho adequado para os episódios (de tevê) e para o filme. Foi um processo de grande colaboração e contribuições", avalia o diretor que, no exterior, colaborou em filmes de Bernardo Bertolucci e Marco Bellochio. O novo longa traz reflexo de um período no Brasil imantado por política e a repressão autoritária.
Entrevista // André Ristum
Há vínculo direto do longa Ninguém sai vivo daqui com a série de tevê Colônia?
São projetos que nasceram meio que ao mesmo tempo, no intuito de ampliar o máximo possível o público atingido pela história. Nem sempre quem assiste a séries vai ao cinema e vice-versa. A base do roteiro do longa parte da estrutura narrativa da série, mas acaba modificando algumas situações, reinterpretando outras. Conceitualmente, tem outro desenho narrativo em vários momentos, além de contemplar materiais que foram rodados apenas para o filme.
Que receptividade teve Colônia?
Foi incrível, na ocasião do lançamento, com ótima repercussão de crítica e atingindo um público bastante significativo, mas dentro do espaço de público da tevê por assinatura. Com o filme, pretendemos atingir agora um novo público e também proporcionar a quem conhece a série, um olhar diferente sobre a história.
Você acredita que, na carreira, aposte em temática ou marca recorrente?
Embora os filmes que realizei tratem de temas bastante diferentes entre eles, entendo que são bastante recorrentes as temáticas da relação entre pais e filhos, e as questões que afligem os seres humanos como um todo. Esses temas, assim como em Meu país, A voz do silêncio e O outro lado do paraíso, também estão presentes em Ninguém sai vivo daqui. Sempre me interessei pelas relações afetivas e interpessoais.
Qual tua aproximação com o tema das doenças mentais?
O tema me fascina desde muito cedo. Acho que a proximidade com pessoas com algum tipo de patologia ao longo da minha vida e o aprofundamento na minha psicanálise pessoal me despertaram um grande interesse em explorar esse tema. Desde A voz do silêncio, fui mais fundo nisto, e, no caso do Ninguém sai vivo daqui, agora o tema toma um lugar ainda mais dominante.
Fale da potência do ineditismo de estar no festival.
Já estive no Festival de Brasília algumas vezes, que tem uma das plateias mais calorosas que já vi, e sempre tive experiências muito felizes. Voltar após quase 10 anos para Brasília, agora com um filme na abertura, é, para mim, uma premiação, uma forma de reconhecimento, além de reafirmar a minha longa relação com o festival e com a cidade.
A obra da Daniela Arbex (do livro Holocausto Brasileiro, base para o filme) demarca resistência feminina?
Acredito que sim. Ao contar essa história, a Daniela acaba se tornando a porta-voz de muitas mulheres que foram silenciadas por um sistema opressor que objetificava a mulher. Entendo que o Holocausto brasileiro traz um leque amplo de personagens que na época sofreram com o autoritarismo e a repressão de todo tipo, mas o livro sem dúvida apresenta personagens femininas reais muito potentes e que enfrentaram como puderam uma estrutura patriarcal e violenta.
Qual o vínculo da obra com o período de repressão no país?
A história se passa no começo dos anos de 1970, e fala de uma estrutura que foi muito usada inclusive pelos aparatos repressivos, para se livrar de pessoas indesejadas e incômodas. No filme não existe uma explicitação desta relação, apenas sentimos o clima autoritário presente no país nas atitudes de todos os personagens que de alguma forma abusam ou reprimem as vítimas.
Em que as suas experiências no exterior auxiliaram neste filme?
Principalmente nesta visão sobre o ser humano e suas questões. Todos os projetos em que trabalhei no exterior têm um olhar muito atento sobre as pessoas e suas questões, acho que isto sem dúvida foi muito importante e me levou a encontrar e querer contar esta história.
Palavra de especialista
"Sempre que componho a trilha sonora para um projeto, seja somente a parte musical ou música mais o design sonoro, meu intuito é trazer o espectador para a emoção que os personagens estão sentindo. Esse projeto apresenta uma história muito forte, mas que ainda é desconhecida de grande parte do público brasileiro. Sendo assim, a trilha procura criar uma imersão na solidão e fragilidade dos personagens diante do horror que eles vivem, mas trazendo também resiliência e um fio de esperança que alimenta cada dia vencido por eles. No nosso universo tudo que morre perde a cor.
O filme é preto e branco e a trilha também."
Patrick de Jongh, autor da trilha sonora de Ninguém sai vivo daqui
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