É ao lado do irmão Lucien (Matthew Needham), ao som de um irônico "Vamos ao voto", que, numa hilária paródia, Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix) toma o poder, travestido de comandar a "paz" a qualquer custo numa França devastada recriada pelo majestoso cinema de Ridley Scott. Até a morte em 1821, o imperador que acumulou oponentes desde a Revolução Francesa, entre os quais Paul Barras (Tahar Rahim), o imperador austríaco Francisco I (Miles Jupp) e o duque inglês de Wellington (Rupert Everett, com bom destaque), protagoniza um filme dramático, repleto de ação. Sem ser nada apelativo, o filme de Scott traz inúmeras relações com sangue, que vem frio na estruturação de ações bélicas; no gelo (em monumentais cenas de batalha) e ainda, não apenas no rosto, mas "nos olhos" do protagonista.
Num desequilíbrio entre a vontade própria (quase posta de lado) e a entrega de seu destino (a favor dos franceses), Napoleão é retratado em todas as suas loucuras. David Scarpa, roteirista de um filme anterior de Scott (o ótimo Todo o dinheiro do mundo, de 2017), se repete na maestria. Ridley Scott, ao tratar de bilionários, como no péssimo Casa Gucci e ainda na já elogiada trajetória de J. Paul Getty (Todo o dinheiro...), volta à forma de uma direção sensacional com Napoleão. Até o chamado fim do Período de Terror e especialmente depois disso, se avolumam os episódios de ironia, descontrole e inclemência do governante à frente de campanhas como Austerlitz e a desastrosa Waterloo.
Grandioso na duração — são mais de duas e meia —, o filme traz uma edição impressionante, a cargo de Sam Restivo e, em especial, de Claire Simpson, habilidosa colaboradora de cineastas como Oliver Stone e Fernando Meirelles. Determinado e estranho, Napoleão não deixa de combinar com peças da trilha sonora, que traz cover de Radiohead e ainda Black Sabbath. Junto ao caos da perda de provisões durante a guerra e o alastramento de doenças, há um momento em que o protagonista admite ver "a sorte" lhe abandonando, depois de pesadas alianças.
Com direito a "filho bastardo" (como pontua a primeira esposa, e grande amor, Josefina), a fertilidade (ou não) do cinebiografado é parte vital da trama. Isso a ponto da mãe dele aliciar amante, a fim de engendrar um neto. Até que possa saudar o herdeiro, como "Meu pequeno rei", muitas tramoias se empilharão. Ainda que acuse Josefina (Vanessa Kirby) de estar "oca" (dada a falta de filhos), acertadamente, o filme de Ridley Scott não reduz as mulheres a meras procriadoras, como muitos vislumbravam (nos idos do século 18).
Atual, entre enredos de traições, manobras políticas e insurgência, o provocador Napoleão rende muitas discussões em torno de controle e injustiças. Depois de dois exílios e saudações quanto à eternidade no seu posto de imperador, mesmo morto há 202 anos, Bonaparte segue no centro de muitas publicações, caso da imprensa, que à época dele, fazia a festa dos jornais mais sensacionalistas (diante das sucessivas traições de Josefina).
Nota: 5 estrelas
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