Cinema

Ó paí ó 2 traz de volta às telas a comédia baiana com Lázaro Ramos

Com uma distância de 15 anos do primeiro filme, Ó paí, ó 2 estreia na próxima quinta no embalo contagiante do humor baiano criado pelo Bando de Teatro Olodum

A possibilidade de "jogar" com "os mestres" da tela de Ó paí ó, na continuação do grande sucesso do cinema nacional protagonizado por Lázaro Ramos, em 2008, trouxe a satisfação para Viviane Ferreira, diretora da continuação do longa, um filme que a colocou no posto de segunda criadora negra para um filme nacional de ficção, desde 1984 (quando Adélia Sampaio fez Amor maldito). "O que jogamos no set, caso fôssemos jogadores de futebol, teria sido uma grande partida de Copa do Mundo", diz ela, ao tratar do elenco do filme, no grosso, composto pelos múltiplos artistas do grupo baiano Bando de Teatro Olodum. O grupo é a razão de ser do filme.

"Na Bahia, se diz que quem não sabe andar, pisa no massapê e escorrega. Quando recebi a missão e a convocação do Bando, procurei chegar devagarinho, respeitando e ouvindo a trajetória de mais de 30 anos deles. O método do grupo me encanta: fazer arte com a escuta afetiva e a crença na criação coletiva", pontua a diretora. Viviane, que assistiu à primeira parte da comédia, aos 19 anos, ainda estudante em São Paulo, sentiu a fita original como "acalanto". Com temas diversos, alguns atrelados a transgêneros e negros, o filme resultou em "aprimoramento do ativismo". "Como corpos dissidentes, somos movimentos capazes de revolucionar e transformar, de fato, a sociedade", demarca a cineasta.

Ferramentas como a religiosidade (compartilhada com o público), capazes de manter parte do povo "firme e de pé", foram vitais para o novo longa. Citações a Marcus Garvey, críticas à informalidade do trabalho e sincretismo religioso deram lastro à fita. "Sabíamos (no set) que era importante esperançar, como verbo. Saíamos de dois anos muito difíceis de pandemia. Era um momento de reorganização de nossas humanidades", explica a diretora. A partir de um gancho trágico, impresso no fim do primeiro filme, a direção se mostrou mais leve. "É uma chanchada moderna, é um teatro de revista. Tem música, humor, política. Todos os atores são autores, como criadores de suas criaturas (personagens). Todos os personagens são importantes. No geral, buscamos as provocações que a cena nacional tem apresentado", observa o corroteirista do filme, Elísio Lopes.

Como mote, a comerciante Neuzão (Tânia Tôko) perde o bar. "É justo o ponto de encontro e convergência de todos. Ao mesmo tempo em que ela acolhe a comunidade, essa mesma comunidade a acolhe", avalia a atriz Tânia Tôko. Parte da dominação de lojistas estrangeiros nos grandes centros urbanos se apresenta no roteiro, gerando crise. "Podemos morar nos lugares mais precários, mas há força, e ela está na coletividade", comenta Cássia Valle (à frente da personagem Mãe Raimunda). "Se falta uma cebola, um vizinho dá, se falta um gás, a comunidade se mobiliza para ajudar", completa Tânia.

Em meio ao orgulho da trupe, metida "entre berimbaus e atabaques", sentido pelo produtor Augusto Casé, a produtora Monique Gardenberg enfatiza que o Oludum "abriu caminhos, no audiovisual, para novos talentos". No misto de admiração, alegria e satisfação, o filme propicia a Lázaro Ramos reconectar com o musical personagem Roque, que ajuda a rever assuntos do primeiro longa e notar "o que foi feito" com esses temas no Brasil atual. "Expomos coisas como a educação, ver o que seu filho está oferecendo e o que ele quer do mundo", conta. "Me vi (nas gravações) como o menino de 15 anos que começou a fazer teatro diante de seus ídolos. Ainda hoje é assim. No primeiro dia de filmagens (em 2006), eu estava exausto de tanto que queria agradar. O Bando era e segue como a minha grande referência", destaca Lázaro.

Música e popularidade

Valorizar a "contribuição da música preta baiana" foi das metas do intérprete do ator. Ao contar da reconexão com Roque, Lázaro destaca não ter mais o joelho de 15 anos atrás. "Na dança e na música, não consigo mais fazer as coisas com tanta facilidade. A idade chegou para nós todos, mas o que importa é que o público não deixou esse filme morrer. São muitos memes e compartilhamentos de cenas (do primeiro filme) em redes sociais", avalia. "Até hoje, acho que Ó paí, ó é o filme que mais tem meme na internet. Tem quem diga que assistiu 15, 50 vezes. Somos abordados nas feiras, e muitos assuntos do novo longa saíram dessa interação", diz Jorge Washington, intérprete do camelô Matias.

Se a conhecida Psilene regressa do exterior no filme, é global ainda a trajetória da intérprete Dira Paes, no papel que lhe trouxe popularidade extrema, sempre lembrada nas ruas pelo filme. "Sou uma paraense sortuda de estar entre estes baianos todos", diverte-se. E como teria sido o entrosamento com a nova geração de atores, num filme muito vinculado à internet? "Foi o casamento perfeito. O Bando, por si só, é uma internet (risos), prévia à tecnologia. É uma conexão de pessoas que se identificam através das coisas que concordam ou mesmo das coisas com as quais discordam. O filme mostra a dinâmica da vida, entre aqueles que precisam uns dos outros. No fundo, é um bando que semeia e que sempre traz colheitas", conclui.

Duas perguntas / Margareth Menezes, ministra da Cultura

  

Como é estar integrada a um filme que dá lastro a tanta representatividade negra?

O filme se transformou em um clássico a partir de sua primeira edição, em 2007 e desde então, faz parte do imaginário social dos brasileiros. O sucesso foi tão grande que virou série e foi como se tudo aquilo continuasse até chegarmos a essa segunda edição, em 2023, quando a obra já chega aclamada e amada pelo público. Apesar de trazer um enredo também de crítica social, tratando de violência contra a juventude negra, por exemplo, um tema atual e necessário, coloca nas telonas o modo de viver, de ser, se expressar do povo negro, de forjar alegria em meio às adversidades e superá-las. Temos lá atores e atrizes brilhantes, muitos deles oriundos do Bando de Teatro Olodum. Então, para mim, que comecei a carreira no teatro e que há 36 anos subo nos palcos como cantora, é uma grande honra fazer parte desta continuidade. Também é de muita força ver o elenco e os personagens amadurecidos, suas histórias de vida continuadas e a tristeza sempre abrindo espaço para a alegria. Enquanto ministra da Cultura, também ressalto a importância da retomada que estamos fazendo da produção audiovisual brasileira, com investimentos em todo o país e com diversos recortes. O cinema brasileiro é um orgulho, transforma vidas, gera emprego, renda e é uma grande vitrine da nossa cultura para o mundo. Tenho certeza de que o filme será mais um sucesso de público.

Qual a importância da música na afirmação do povo preto?

As expressões artísticas foram fundamentais para a sobrevivência do povo negro que foi escravizado em todo continente americano, de norte a sul. Quando falo expressões artísticas, refiro-me a todo o conjunto de saberes que atravessou o oceano junto com as primeiras pessoas escravizadas pelos europeus: isso inclui a música, a capoeira, as artes plásticas e tudo que as fazia lembrar do continente africano e das suas histórias. Os batuques tocados nas senzalas eram sinônimos de resistência e de sobrevivência. Isso se perpetuou ao longo dos três séculos de escravidão e no pós abolição, quando os nossos antepassados foram libertos sem nenhuma garantia de sobrevivência como pessoa humana e digna de diretos. Hoje não poderia ser diferente. Seja na MPB, no axé music, nas cantigas, no samba, no hip hop ou no rap, no funk, e etc. O povo negro tem a música como forma de expressar sua humanidade, sua identidade, suas alegrias, tristezas e modos de viver. A música energiza, contagia, alegra e gera emprego e renda aos trabalhadores da cultura.

 


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