O diálogo entre texto e imagem é fundamental na literatura infantil. Se o texto precisa estabelecer uma conversa com a criança, as imagens precisam fisgar a curiosidade e ampliar as possibilidades da imaginação. É um pouco em busca dessa combinação mágica que caminham Gregório Duvivier, Neil Gaiman, José Saramago, Daniel Kondo, Tino Freitas e Alessandra Roscoe, que acabam de lançar uma seleção de livros que merecem lugar nas prateleiras da criançada.
Mamãe, coragem
De Tino Freitas. Ilustrações de Natália Gregorini. FTD, 32 páginas. R$ 75
Autor de mais de 40 livros infantis, Tino Freitas acredita que é importante aproximar esse tipo de literatura do mundo real e oferecer aos pequenos perspectivas afetivas variadas. Mamãe, coragem! nasce desse pensamento. A história criada por Tino reúne personagens prestes a enfrentar o primeiro dia de aula, mas é dos pais que vem a dificuldade da separação. “Nos livros infantis. eu não tinha encontrado em momento algum esse lugar do adulto frágil nesse momento de separação e achei que seria importante apontar que a criança também pode ser essa pessoa que dá um apoio, abraça e faz com que a vida vá em frente”, conta o autor. No livro, as ilustrações de Natália Gregorini criam um ambiente de diversidade racial e de gênero, com direito a mãe tatuada e criança criada pela avó ou pelo pai. “A gente acabou encontrando esse caminho maravilhoso e abrangente de mostrar o quanto as crianças podem ser diferentes e os pais e mães também, mas para uma mesma questão que é o medo de deixar caminhar com as próprias pernas”, diz o autor.
Em busca do famoso peixarinho
De Gregorio Duvivier. Ilustrações de Johanna Thomé de Souza. Brinque-book, 48 páginas. R$ 54,90
Foi a filha Marieta quem deu a ideia para Gregorio Duvivier escrever a história do bicho que é mistura de peixe com passarinho. O peixarinho era figura famosa na contação de história do pai e a menina adorava a ideia. Nasceu então o livro no qual um menino finge engolir o bichinho e a mãe mergulha na barriga da criança para encontrar o dito cujo. O resultado é uma narrativa que também trata da maternidade. “Porque a gente faz tudo, sobretudo quando nossos filhos têm um objeto muito querido. Marieta tinha um coelhinho e ela perdia uma vez por semana. Era sempre um périplo para ir atrás, porque era a coisa que ela mais amava no mundo. Então tem isso, o livro conta como os pais vivem numa odisseia diária de encontrar coisas, e isso envolve mil trajetos e trajetórias, para achar coisas triviais feito um boneco de banheira”, conta o autor, que procura sempre evitar o didatismo quando escreve para crianças. “Não tem nada pior para a literatura que ser didática e é uma coisa que as pessoas não toleram na literatura adulta e recomendam na literatura infantil, como se a criança tolerasse o didatismo. Criança detesta perceber que está sendo ensinada”, garante o ator e humorista, que também é autor de João Pestana.
O primeiro barco
De José Saramago, Ilustrações de Amanda Mijangos. Companhia das Letrinhas, 30 páginas. R$ 54,90
É sobre a ligação entre o homem e o mar, a ousadia e a determinação em atender aos desejos e intuições próprias a história criada pelo autor português. A partir dessa premissa. a ilustradora mexicana Amanda Mijangos criou os desenhos que recebem o texto. “A ilustração estabelece um diálogo entre texto e imagem e, para que isso possa acontecer, ambas as partes precisam se ouvir e permitir que a outra ‘fale’”, explica Amanda. “Criamos imagens que brincam com a abstração e a poesia que habitam o texto.” Segundo a artista, uma das magias do texto de Saramago é o ambiente poético e abstrato que, vez ou outra, propõe ações concretas e micro narrativas ou personagens que podem ser seguidos ao longo do livro. “Brincamos com diferentes expressões para o personagem do mar, exibindo graficamente suas qualidades e as diferentes formas de se relacionar com as pessoas e os animais”, avisa.
Kanela
De Neil Gaiman. Ilustrações de Divya Srinivasan. Intrínseca, 40 páginas. R$ 59,90
O mundo fantástico de Neil Gaiman também tem porta de entrada para os pequeninos. Nessa fábula de contornos indianos, Kanela é uma menina cega que só aprende a falar após fazer amizade com um tigre. Agressivo com a maioria das pessoas, o animal é doce e carinhoso com a menina. Uma história de amizade e confiança banha a história infantil de Gaiman ilustrada pela americana Divya Srinivasan, de origem indiana. “Eu havia acabado de descobrir que estava grávida da minha filha, e achei significativo passar aquele momento único ilustrando uma história que se passa na Índia, de onde são meus pais”, conta a artista. “Eu estava pensando em padrões e designs com os quais cresci, que encontrei nos saris da minha mãe e nas decorações e obras de arte ao redor de nossa casa. Foi especial poder pegar esses detalhes que eram tão pessoais para mim e incorporá-los a Kanela”. Para Divya, a parte mais importante de dar forma ao mundo de Gaiman foi ser capaz de transmitir as emoções da personagem, especialmente quando Kanela está sozinha com o tigre e experimenta sentimentos como dor, medo e amor. “Com a história se passando na Índia, fiquei empolgada em encher as ilustrações com detalhes e elementos visuais da minha própria infância e experiências, crescendo em um lar cheio de arte indiana, tecidos e as dramaticamente ilustradas revistas em quadrinhos Amar Chitra Katha que contavam antigas histórias indianas”, diz a artista, que bebeu em referências como fotos antigas, as roupas da mãe e da avó e o hábito familiar de beber chá.
andar com fé
De Gilberto Gil e Daniel Kondo. WWF, 40 páginas. R$ 54,90
Nós, a gente
De Gilberto Gil e Daniel Kondo. WWF, 112 páginas. R$ 99,90
Gilberto Gil se uniu ao artista e escritor Daniel Kondo para transformar a obra musical em um conjunto de livrinhos ilustrados destinados ao público de todas as idades. andar com fé faz parte da coleção letrailustre e retoma cada verso da música homônima em uma série de desenhos ora abstratos, ora figurativos. “Usei o mesmo processo do Gil para criar o tropicalismo, fiz um mix de várias referências visuais, referência a Rubem Valentim, Tarsila, Bauhaus, usei todo esse repertório que tenho das artes gráficas para tropicalizar a letra dentro de um eixo gráfico representativo não só do Brasil, mas universal também”, explica Kondo. “Eu decompus a canção em várias estrofes e, em cada estrofe, tentei encontrar uma representação visual dessa canção.” A bandeira da Bahia é uma das primeiras referências com a qual o leitor se depara. Para nós, a gente, um projeto mais amplo, que começou com a criação da logomarca para a turnê de Gil com a família pela Europa. As canções do repertório do show foram ilustradas para um livro que também comemora os 80 anos do compositor.
Quando as coisas desacontecem
De Alessandra Roscoe. Ilustração: Odilon Moraes. Gaivota, 56 páginas. R$ 65
Quando as coisas desacontecem é desses livrinhos incontornáveis de tão líricos. A historinha existencial sobre a transformação foi inspirada na curiosidade de uma criança conhecida da autora, mineira radicada em Brasília e com dezenas de livros publicados. A ideia partiu da observação de quais são os principais medos das crianças e o projeto vai render uma trilogia. Este primeiro livro trata da morte e das perdas. "A gente pode lidar com tudo, tratar de tudo, desde que seja de uma forma poética, delicada e verdadeira", garante Alessandra. "É um livro que fala de formas diferentes tanto com os adultos quanto com as crianças." Além de Quando as coisas desacontecem, Alessandra também acaba de lançar Pinóquio às avessas, em parceria com o xilogravador Valdério Costa, e Menino Levado, com ilustrações de Rodrigo Mafra.