Idealizado pelo músico e desenhista industrial Bruno Duarte, o projeto Tesourinhas une o modelo de construção das superquadras de Brasília à música erudita. “A música concreta surgiu na França por volta dos anos 40. A ideia era unir sons concretos, urbanos e naturais aos instrumentos já existentes e, assim, fazer uma música com elementos do dia a dia das pessoas. Neste caso, transformamos nossa cidade em som organizado”, conta Duarte.
Com composição de Bruno Duarte e Luís Lima, regência de Thiago Francis e nove participantes da Orquestra Filarmônica de Brasília, Tesourinhas mostra que a cidade está intimamente ligada à arte, à cultura e à música. A ideia do projeto surgiu depois de um erro no percurso do caminho em que Bruno estava tentando fazer, da 316 sul, até o centro do Plano Piloto.
“Quando saí da quadra, eu tinha que pegar a tesourinha e passar por baixo, fazer a volta e ir sentido a área central de Brasília. Só que quando eu fiz a tesourinha, segui reto e a fiz de novo, no automático. Quando me toquei que estava a 40 minutos dando volta nas tesourinhas da 116/115 Sul, decidi seguir meu percurso sentido a área central de Brasília. Ao observar as placas das quadras, que os números iam diminuindo um a um, de forma descendente, (114/113, 112/111, 110/109), veio à ideia da obra completa na minha cabeça de forma muito clara, parecia ser muito óbvio transformar tudo isso em compasso musical”, conta o músico.
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“Senti como se Lúcio Costa e Oscar Niemeyer tivessem projetado a cidade já esperando que alguém fizesse música com todos esses números. Tesourinhas é uma homenagem, mas além de ser uma homenagem é um mapa da cidade que você pode ouvir", detalha.
Com a matemática do endereço brasiliense, Bruno e Luiz montaram os compassos das músicas. “Temos por exemplo, temos as quadras 900, 700, 500, 300 e 100. Após as quadras 100, vem o Eixão, que em seguida vamos em direção às quadras 200, 400, 600 e 800, então, adaptamos a numeração das quadras para os compassos musicais”, explica o músico.
Gravado no Teatro dos Bancários, as canções se misturam entre o erudito e o pop. Nessa mistura, Brasília é homenageada. O artista conta que as pessoas de seu convívio dizem que ele enxerga as coisas de uma forma diferente. “A minha cabeça funciona a milhão e pelo fato de eu ser deficiente visual, eu só enxergo de um olho, as pessoas sempre falam que eu vejo o mundo de um jeito diferente”, declara.
E assim, Bruno e os músicos participantes da Orquestra Filarmônica transformaram quatro músicas instrumentais em uma história contada sobre a cidade. As faixas Eixão, Tesourinhas, Parque e Monumental, fazem o espectador se sentir atraído pelas curvas da cidade planejada. Em aproximadamente 15 minutos, cada uma, o ouvinte passeia pela capital do Brasil desenhada por Oscar Niemeyer e projetada por Lúcio Costa.
Com cenografia minimalista e moderna, o enredo traz os músicos no palco em um destaque cênico bastante intenso, contrastando entre momentos de muita e pouca luminosidade, criando um clímax no espectador em sincronia com as melodias apresentadas. O espetáculo está disponível no YouTube para apreciação do público.
O músico comenta que se sente extremamente honrado em poder homenagear a cidade, mas pontua que tudo aconteceu de forma muito natural. “Quando o Tesourinhas surgiu na minha mente eu não tinha a mínima ideia que estava fazendo música concreta, a ideia simplesmente veio, é como se ela precisasse existir, me sinto sortudo e abençoado por ter tido essa ideia e ainda mais de encontrar pessoas que acreditaram nesse projeto e muitas vezes acreditam mais do que eu mesmo e fizeram o projeto acontecer, existir. Imagino que JK também se sentiu dessa maneira quando decidiu mudar a capital para o interior do país e construir nossa cidade”, finaliza.
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