Há cinco décadas, o universo da música popular brasileira é palco para Alcione, uma estrela reluzente dona de timbre inconfundível e um fraseado melódico que, de forma original, utiliza elementos
do samba e do jazz para interpretar canções de estilos diversos, às quais imprime sua marca registrada.
Foi isso que ela proporcionou à plateia que lotou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no ano passado, num espetáculo memorável, registrado em álbum digital, que estará disponível no canal da gravadora Biscoito Fino, dia 21 próximo, data de aniversário da cantora.
Intitulado Alcione — 50 Anos, o DVD que celebra emblemática data comemorativa da trajetória da Marron, com direção musical de Alexandre Menezes e geral de Solange Nazareth. O álbum traz um mosaico formatado por medleys com 65 músicas das diferentes fases da carreira. Obviamente, entre elas estão as consagradas A Loba, Estranha loucura, Garoto maroto, Meu ébano, Meu vício é você, Não deixe o samba morrer, Nem morta, Rio antigo e Sufoco.
No show, em que homenageia Emílio Santiago e Clara Nunes, Alcione teve ao seu lado a Banda do Sol, que a acompanha por décadas; a Orquestra Sinfônica Maré do Amanhã, componentes da bateria e de um casal de mestre-sala e porta-bandeira da Mangueira.
Há, ainda, a participação dos dançarinos da Academia Marcello Chocolate e Sheila Aquino; e do grupo Ilê Axé Obalualê d’Jagun da Casa Pai Celinho de Omolu. Amiga de longa data, Maria Bethânia recita versos da autobiográfica Resumo.
No decorrer de 2023, vem recebendo várias homenagens, entre as quais um musical biográfico, escrito e dirigido por Miguel Falabela; a criação pelo Governo do Estado da Guanabara de uma medalha, com o nome dela para premiar os destaques do samba de cada ano; o longa-metragem, dirigido por Ângela Zoé; e o tributo no Prêmio da Música Brasileira, que ocorreu em agosto último.
Que avaliação faz dos 50 anos de carreira?
Foram anos de muitas batalhas e trabalho exaustivo porque optei por construir uma carreira, e não em tornar-me apenas uma cantora fadada ao sucesso. E com o apoio de inúmeros profissionais que me auxiliaram no decorrer dessas décadas, felizmente, meus objetivos foram alcançados. Portanto, só tenho a agradecer, principalmente ao público que tem me acompanhado durante toda essa trajetória.
Quando deixou o Maranhão e se instalou no Rio de Janeiro, imaginou que seria uma artista vitoriosa?
Vim determinada a ter uma carreira, buscar um espaço na música brasileira... Cantar sempre foi um sonho e tornou-se também um ofício. Mas jamais poderia sonhar com uma trajetória tão feliz e longeva.
Quem lhe deu o apelido de Marrom?
Isso foi no princípio de minha carreira, durante uma turnê com outros músicos também iniciantes. Um deles, quando estávamos a caminho dos shows, sempre pedia “pra cantar pra Marrom dele” . Estava saudoso da namorada...Daí, a transferir o apelido foi um pulo! rsrs
Como foi o início da carreira, cantando em casas noturnas da Zona Sul carioca?
Comecei trabalhando em lojas de discos, vendi muito Lafayette e os grandes ídolos da época. Mas quando ingressei, como cantora, nas noites do Rio e de São Paulo, além de conhecer muita gente boa da música e de ficar amiga de tantos ícones como Emílio Santiago, Djavan, Áurea Martins, entre tantos outros, percebi que seria uma “grande escola”. E a noite foi mesmo uma grande escola para inúmeros artistas, entre cantores e músicos. Mas a vida não era fácil... Além de você ter que cantar “de tudo”, vivíamos correndo de um lugar pra outro para podermos pagar as contas ao fim do mês. E isso não é um lamento porque cantar na noite foi, conforme disse, uma verdadeira escola pra mim!
Naquela época, já tinha consciência de que não era uma qualquer, como costuma dizer?
Venho de uma família musical... meu pai era músico, maestro de banda em São Luís. E ele fazia questão de que aprendêssemos a tocar algum instrumento. Minhas irmãs, todas elas, cantam muito bem. Maria Helena, por exemplo, faz parte da Banda do Sol, grupo que me acompanha há décadas. Solange, que virou minha produtora e empresária, canta melhor que eu, mas não quis abraçar a profissão. Portanto, esse lastro, essa herança musical refletiam algumas credenciais para exercer esse ofício. Sabia que gostavam da minha voz, desde criança. Mas o sonho, a esperança era viver do canto... que sempre foi uma grande paixão. O resto veio no pacote, foi lucro. rsrs
Em que momento pressentiu que iria fazer sucesso?
Conforme disse, minha preocupação era em construir uma carreira. Sempre procurei não me empolgar demais com esse ou aquele momento, esse ou aquele hit. Não se fica no topo das paradas o tempo todo, mas é preciso trabalhar muito para manter-se atuante na vida artística e nesse mercado tão instável.
Entre tantos discos que lançou qual é o da sua preferência e por quê?
Em uma trajetória dessas fica difícil apontar apenas um. Claro que existem graus de importância, principalmente devido ás épocas em que foram lançados. A alegria de gravar o primeiro compacto, estrear no disco; a felicidade ao ouvir nossas músicas tocando nas rádios; o primeiro disco de ouro...e o de platina duplo! O álbum que conquistou o Grammy Latino...Todos eles, e inúmeros outros, trazem suas marcas, histórias e delimitam conquistas.
O reconhecimento veio após o lançamento de A Loba?
A Loba, Nem morta, assim como Sufoco, O Surdo e, principalmente, Não deixe o samba morrer que acabou virando quase que um hino para os sambistas — são faixas emblemáticas. Acho que foi como uma escalada... aos poucos, o público foi tomando conhecimento e gostando, a cada dia mais, do meu trabalho.
Qual é, na sua avaliação, a música do repertório é a sua cara?
Existem inúmeras canções que poderiam compor esse mosaico. Afinal, só gravo o que me emociona, comove, arrepia. Sorte é que o público também se identifica...rsrs
Sua ligação com a Mangueira vem de quando?
A minha ligação com a escola começou ao conhecer o Bira da Mangueira, ex-presidente e relações públicas da agremiação naquela época. O primeiro desfile do qual participei foi em 1979. Já em 1987, juntamente com a tia Neuma, ajudei a fundar a Mangueira do Amanhã, da qual tornei-me presidente de honra.
Mas sempre procurei ser apenas mais uma integrante da escola, a grande, a imensa Estação Primeira!
O que sentiu ao ser transformada em enredo da escola?
Até agora a ficha não caiu. Nem em meus melhores sonhos poderia me imaginar como tema de enredo da Mangueira (das duas, nesse caso, a adulta e a mirim!). É uma honra inimaginável receber essas flores em vida!
Pretende fazer turnê para comemorar os 50 anos de carreira?
Já estou há mais de um ano na estrada, e percorri boa parte do território nacional com o show do cinquentenário. Estive até em Brasília, recentemente, e me apresentei, também, fora do país.
Está desenvolvendo algum outro projeto atualmente?
Atualmente, conforme mencionei, estou em plena turnê comemorativa. Mas nesse período, além de ter sido presenteada com uma agenda lotada de apresentações, tenho recebido muitas outras “flores em vida”: show o biográfico escrito e dirigido por Miguel Falabella e produzido por Jô Santana; o longa-metragem , da diretora Ângela Zoé; o “Ano Alcione - Prêmio da Música Brasileira”, e a instituição, pelo Governo do Estado do Rio, da Medalha Alcione, premiação para os destaques do samba de cada ano. São presentes em profusão e inesperados que tornaram esse cinquentenário ainda mais festivo e emblemático.
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