Aos 26 anos, Silvana Estrada incorpora o cerne das semelhanças transculturais da América Latina. Com uma mescla de folk, jazz e ritmos tradicionais do México, a cantora nascida em Coatepec, município localizado na região central do estado mexicano de Veracruz, sempre teve a música como um elemento muito presente no cotidiano. Filha de fabricantes de instrumentos musicais, se acostumou a ver entrarem pela porta de casa muitos artistas e compositores. Após anos de estudos, Silvana lançou seus primeiros projetos em colaboração com o guitarrista Charlie Hunter e, em janeiro de 2022, lançou o primeiro álbum solo, o aclamado Marchita ("Murcha", em português).
Delicado, o disco traz 11 faixas que exploram temas dualistas de decepções e esperança, rendeu para a artista um Grammy Latino de Melhor Novo Artista na 23ª edição da premiação. Em um empate histórico, a cubana Angela Alvarez, 95 anos, também levou para casa o mesmo troféu, tornando-se a pessoa mais velha a ganhar um Grammy Latino. Silvana e Angela disputaram o gramofone de ouro com Sofía Campos (Argentina), Cande y Paulo (Argentina), Clarissa (Brasil), Pol Granch (Espanha), Nabález (Colômbia), Tiare (Venezuela), Vale (Colômbia), Yahritza y Su Esencia (México) e Nicole Zignago (Peru).
Para a 24ª edição da premiação, cuja cerimônia de entrega será realizada em 16 de novembro, Silvana foi indicada na categoria Melhor Canção Cantor-Compositor por Si me matan. "Se me matarem/Se é que me encontram/Me encham de flores, me cubram de terra/Que eu serei semente para as que vêm", canta a artista na impactante faixa do EP Abrazo, lançado no final de 2022.
O encanto pelo Brasil
Neste ano, além de dezenas de shows pela Europa e América do Norte, Silvana embarcou em uma turnê pela América do Sul e se apresentou pela primeira vez em território brasileiro. No mês de outubro, a mexicana realizou shows solo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, no festival MECA. Segundo Silvana, a recepção do público foi uma "surpresa total": "Todos estavam muito emocionados, chorando e cantando todas as músicas. Obviamente, o Brasil é um país que eu amo, admiro e sempre quis vir cantar, mas ao mesmo tempo, não sabia o que ia acontecer". Em sua apresentação em São Paulo, Silvana emocionou o público e, sozinha no palco, brilhou "apenas" com a voz e o cuatro, um instrumento musical da família da guitarra que usa em suas canções. O repertório, com direito a uma inédita, foi majoritariamente composto de autorais e covers (Madrugada e amor de Caetano Veloso e Clandestino de Manu Chao).
Ao Correio, Silvana Estrada conta que a admiração pelo Brasil vem de família e perdura até hoje. "Eu acompanho música brasileira desde pequena. Quando criança, tínhamos o disco Construção, do Chico Buarque, e minha família sempre gostou de escutá-lo. Chico, Gal, Maria Bethânia, Caetano… eles me inspiram muito. E eu sinto que a música brasileira, em particular, é em si muito inspiradora, porque é um mundo à parte", diz. Durante a curta passagem pelo Brasil, Silvana se reuniu com Zé Ibarra, do Bala Desejo, e com o cantor de MPB Sessa. Com um vasto repertório nacional, também confessou adorar o funk brasileiro, embora o ritmo seja completamente distinto do que cria. "Eu estudo bastante a música latino-americana e me interessam muito as multitudes que existem dentro de cada país, mas com o Brasil, é simplesmente diferente. E não é porque vocês falam português, é mais profundo. Há tanto esforço dedicado à arte nesse país que vocês chegam aos sons, ideias e letras perfeitas. Fico completamente hipnotizada", completa.
As grandes modas
As plataformas de streaming e o TikTok estão mudando o mundo da música. As possibilidades dos artistas crescerem e atingirem um novo público do dia para a noite aumentaram exponencialmente. Paralelamente, em 2023, há uma notável ascensão da música mexicana no streaming. Nomes como Yng Lucas, Grupo Frontera, Fuerza Regida e o maior fenômeno atual do pop mexicano, Peso Pluma, estão cada vez mais frequentes entre os vídeos mais vistos do YouTube e entre as músicas mais ouvidas no ranking global do Spotify e Apple Music. Nesse sentido, Silvana Estrada se sente como uma "outsider", uma "forasteira". "Creio que o meu tipo de música não faz parte de nenhuma moda. Para mim, é um mistério o porquê da música regional mexicana estar tão em alta, mas penso que esse é um momento difícil para entender os fenômenos do que se torna viral ou não. Tem muito a ver com coisas com as quais eu não me conecto. Eu me conecto com as músicas, a poesia, mas não com o TikTok ou com as marcas… Às vezes, me perco um pouco nessas grandes modas", confessa.
Apesar da inegável popularidade, uma coisa é certa: o Brasil demonstra ter resistência à música em língua espanhola. É claro, hits recentes como Despacito, de Luis Fonsi e Daddy Yankee, ou até mesmo Envolver, de Anitta, não passaram despercebidos. Entretanto, faixas que atingiram o topo das paradas em 2023 e tiveram um estrondoso sucesso em países que possuem o espanhol como língua oficial talvez não sejam familiares para o brasileiro médio que consome rádio ou até mesmo streaming.
Ao mesmo tempo em que uma nova geração de artistas está reinventando a música mexicana e levando-a para o topo das paradas, Silvana, com a mesma importância, mas de uma maneira diferente, está criando novos entusiastas da arte latino-americana. E Silvana, obviamente, não exclui a alegria nacionalista em ver a música latina tendo um momento histórico. "Como mexicana, adoro que as duas coisas coexistem. É lindo ver sons do meu país sendo tocados ao redor do mundo. Estamos em uma época preciosa para a língua espanhola e a verdade é que fazemos todos parte de uma só comunidade", garante.
E no que diz respeito ao Brasil, o sentimento de "forasteira" da artista chega a parecer quase "ilegal". "Eu sinto que a minha música entrou no Brasil de uma maneira totalmente orgânica, e não poderia ter sido de outra forma. Minha maneira de se conectar com o brasil foi através das canções, apenas isso".
Novo capítulo
Silvana, que tem uma conexão com a arte desde a infância, encontra na música uma maneira de existir no mundo. "Estamos em um momento de nos conectarmos com o belo. O mundo está tão louco que é importante nos conectarmos com o belo, porque a beleza nos faz empáticos", diz. Para ela, a música é infinita, e "é bonito pertencer a algo infinito". Seu próximo passo, seguindo os lançamentos de Marchita e Abrazo, além de uma série de singles lançados em 2023, é o novo LP. "Ainda não sei exatamente quando o meu novo disco vai sair, mas posso te dizer que ele possui muitas influências brasileiras. Na minha playlist de inspirações para o álbum, tem muitas músicas brasileiras, muito blues e até bluegrass… Uma miscelânea do mundo", conclui.