Contemporâneo de cantores, compositores e bandas que levaram Brasília a se tornar conhecida como capital do rock, na década de 1980, Eduardo Rangel não aderiu ao movimento. Embora tenha se tornado amigo de vários deles, optou por levar adiante seu trabalho solo, tendo a MPB como principal referência.
Rangel lançou apenas dois discos, com o registro de composições autorais. Duas delas se tornaram clássicos da música brasiliense, Bicicleta e Chafariz. Nos anos 1990, radicou-se no Rio de Janeiro, onde foi apadrinhado pelo produtor Hermínio Bello de Carvalho.
Como as oportunidades que surgiram não foram bem avaliadas por ele, retornou à capital, onde levou adiante seu trabalho, tendo realizado alguns shows e participado de outros ao lado companheiro de ofício. No hiato, determinado pela pandemia da covid-19, aproveitou o tempo para compor.
Mas desenvolveu também outro projeto em que focalizou a obra de um mestre da MPB a quem sempre teve como referência, Chico Buarque de Holanda, embora com outro viés, o da música de câmara. Para tanto, teve ao seu lado um quarteto sinfônico, formado por Ocello Mendonça (violino), Osvaldo Amorim (baixo),Yto Moraes (percussão),Márcio Vieira (pancarde, baron, flutuô e girassolino) — instrumentos criados por ele —, sob a regência do maestro Joaquim França. Com direção de Alexandre Magno e cenografia de Chico Sassi, as gravações foram feitas no Estúdio Togni.
A agenda de lançamentos de singles e clipes é a seguinte: nesta quarta-feira (11/10), Samba amor; dia 17 de outubro, Jorge Maravilha; dia 24, Valsa brasileira; dia 31, Ciranda de bailarina; em 7 de novembro, o DVD completo.
Entrevista//Eduardo Rangel
Que avaliação faz dos 40 anos de carreira?
Tenho menos discos do que gostaria, mas considero que cada um deles representa um momento específico e fundamental na minha carreira. Pirata de mim (1998) é, até hoje, um disco muito procurado, devido à sua visceralidade e talvez ao pioneirismo. Foi o 1° CD numerado num tempo em que os independentes lutavam contra o monopólio e exploração das grandes gravadoras, hoje quase extintas. Ao vivo, o álbum dispensou os famosos truques de mixagem e nele se ouve em primeiro plano a reação da plateia. O CD com a Orquestra Filarmônica de Brasília, que também virou programa da TV Senado, iniciou minha parceria com o maestro Joaquim França e marcou definitivamente meu ingresso no universo sinfônico; mesmo sendo um compositor popular. Estúdio, por fim, era um CD que há muito tempo eu devia ao meu público, uma vez que os anteriores eram gravações ao vivo, sem os recursos e a qualidade técnica dos estúdios.
Qual foi a importância de sua geração para a música de Brasília?
Definitiva, creio eu! Embora seja um pouco mais novo — era o caçula do Festival —, lembro-me que a Feira Pixinguinha revelou muitos nomes que estão até hoje nos palcos de Brasília. O trabalho de autores como Paulo Tovar e Sérgio Duboc desaguou no grupo Liga Tripa, que, aliás, fez sua estreia no Shows do Arroto, que organizava no Anfiteatro 9 , na Universidade de Brasília (UnB). O festival ainda revelou Renato Matos, com seu estilo e letras muito originais; Aloísio Brandão, cujas músicas, hoje, são cantadas também por Clara Teles; Evandro Barcelos, que foi o 'papa' do pessoal do samba na capital, Cayê Milfont e tantos outros. Ao meu ver, todos continuam sendo porta-vozes de sentimentos, modo de vida, angústias e ideais de toda uma geração; e, claro, quero crer que minhas músicas também façam parte dessa tradução empática de uma geração.
Como era sua relação com os roqueiros do DF da década de 1980?
Era muito boa! O Fê, do Capital Inicial, chegou a tocar comigo. Ele e o Dado Villa-Lobos ensaiavam lá em casa. Às vezes, Renato Russo me ligava para falar bem de umas músicas minhas e muito mal de outras (risos…) Cassia Eller era um amor, queria gravar Chafariz e Se apaixonar, músicas minhas do CD Pirata de mim.
Considera Bicicleta um clássico brasiliense?
O jurado nesse quesito é o público, não é? Não saberia dizer. Mas é claro que fico muito feliz quando alguém menciona isso para mim. Não há recompensa maior para um compositor.
O que fez musicalmente nos últimos anos?
Em 2018, levei meu show solo ao Memorial Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro; em Brasília, bisei esse mesmo show no Sebinho Livraria e também homenageei a música latino-americana em show gratuito nos jardins do Pontão. Em 2019, filmei o DVD ora em lançamento e fiquei inteiramente voltado para a pós-produção. A pandemia veio entre 2020 e 2022 e fiquei de fato recluso. Nesse hiato, fiz uma "live" muito divertida conversando com as pessoas no Instagram. Revendo a "live" nesses dias, gostei tanto que, em breve, estará em capítulos no meu YouTube. Ainda na pandemia, produzi totalmente recluso um single e videoclipe sobre as emoções durante a pandemia, com a música Há tempos, o Retrato cantado. Meu sobrinho, Erik Schnabel, filmou em minha casa; Douro Moura editou na casa dele e Joaquim França fez os arranjos idem. Os oito músicos da Camerata, filmaram e gravaram seus instrumentos de cordas pelo celular, e ficou muito bom. O mago desta engenharia de áudio foi Emânuel Câmara, na casa dele. E tudo on-line.
Qual é a sua visão da música feita atualmente em Brasília?
Pergunta delicada. Bem, há muita gente talentosa que aparece menos do que merecia, e há muitos "mais ou menos" com espantoso talento para o marketing (risos). Há alguns que até reúnem esses dois talentos.
Por que deixou de fazer show?
Gosto muito do palco e na pandemia procurei fazer lives. desde 2019 estive realmente muito envolvido na viabilização e depois na pós-produção do DVD. Para você ver, o projeto iniciou ainda em 2013. Por esses dados se tem uma ideia do quão cuidado foi o trabalho. Diante da responsabilidade de cantar Chico, acredito mesmo que não poderia ser diferente.
Vem de quando sua relação com a música de Chico Buarque?
Foi ouvindo Chico que decidi ser compositor. Quando ouvi O que será — À flor da pele no rádio, rolei no chão. Decidi que tinha de fazer músicas que emocionassem. Tenho influências de outros artistas, daqui e de fora do Brasil, mas Chico foi decisivo na minha escolha inabdicável do fazer artístico.
Em vez de um álbum, por que optou pela gravação de um DVD?
O show é apresentado há mais de 10 anos e há todo um cuidado em cantar dando voz a diferentes personagens. Ou seja, existe também um viés teatral nesse trabalho. Apesar de filmado em estúdio, optamos pelo DVD para reproduzir ao máximo a emoção transmitida à plateia nos shows ao vivo. A tempo, simultâneo ao DVD, o trabalho também será lançado em versão de áudio nas plataformas de streaming.
Usou que critério para a escolha das canções do repertório?
Pessoalmente, escolhi as músicas em que caberia uma nova leitura, uma nova abordagem. Caso o contrário, e por mais maravilhosa que fosse, não atenderia ao critério. O arranjador, Joaquim França, também um "chicólatra" irrecuperável, escolheu músicas que, pela complexidade harmônica e extensão melódica, raramente são executadas em apresentações ao vivo. Obras que associam Chico aos românticos do século 19, como Brahms, e impressionistas, como Ravel. "No fim das contas, creio que ficamos com as mais líricas e sofisticadas do repertório de Chico.
Das selecionadas, há as que são de sua preferência?
Impossível escolher! Seria mais fácil dizer alguma que não goste tanto da minha interpretação. Mas não quero estragar o mistério.
A opção pela sonoridade de música de câmara se deve a quê?
Foi algo bem natural. O maestro Joaquim França é especialista em arranjos sinfônicos e música de câmara. Mas também sabíamos que essa opção traria uma abordagem rara para as músicas de Chico.
O quarteto sinfônico deu que tipo de contribuição para esse trabalho?
São todos músicos de diferentes sinfônicas de Brasília. A excelência desses instrumentistas na execução dos arranjos foi determinante para o resultado do DVD.
Quanto aos arranjos do maestro Joaquim França, que acréscimos trouxeram?
Esse DVD tem um DNA muito claro. Jamais seria o mesmo não fosse o encontro de minha voz com as lentes do cineasta Alexandre Magno, mas, principalmente, com os arranjos do maestro Joaquim França. Poderia até ser bom, mas faltando um desses filamentos de DNA seria totalmente diferente. Tenho muita sorte de um dia o maestro ter me convidado para trabalhar com a filarmônica, por ter orquestrado minhas composições e por cantar sob sua regência nesse e em outros
trabalhos.