Lisboa — O cantor e compositor Gilberto Gil, 81 anos, recebeu, nesta terça-feira (31/10), o título de doutor honoris causa, concedido pela Universidade Nova de Lisboa. Num discurso, curto, mas enfático, o brasileiro ressaltou toda a preocupação com “os horrores do mundo atual”, com suas guerras, que, infelizmente, ele tem de levar para o seu canto. Para o artista, a boa notícia, felizmente, é que o Brasil conseguiu superar os retrocessos do governo de Jair Bolsonaro e está reconstruindo a ordem democrática.
“Vejo o Brasil melhor, retomando o caminho dos diálogos amplos, variados, entre o povo e as instituições. Vejo o fortalecimento das instituições republicanas e democráticas, que sofreram leves ameaças no governo anterior”, afirmou. No entender do cantor, é salutar que a cultura esteja retomando o seu papel de destaque dentro do governo, por meio da reconstrução do Ministério da Cultura, que ele comandou entre 2003 e 2008. Ele disse acreditar que a pasta está nas mãos certas, pois a ministra Margareth Menezes tem um longo histórico de atuação na área.
Gil ressaltou que Margareth é uma ativista cultural muito profícua não apenas na música, mas também em questões sociais. “Ela é muito afeita aos conceitos da vida cultural, sabe da importância do papel do Estado, tem noções muito nítidas e claras da vida no Brasil e aprendeu a utilizar as articulações em prol dos povos mais humildes”, destacou. Ele assinalou, ainda, que vê, na maioria das vezes, a cultura andando sozinha, resultado das interações das várias linguagens que unem as populações. Mas crê que os governos têm papel importante na questão do fomento, sobretudo, para garantir o acesso dos mais desfavorecidos a todas as formas de arte.
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Discurso menos harmonioso
O cantor, que tem três concertos programado em Portugal — dois em Lisboa, um no Porto —, acredita que a arte, em especial, a música, serve como um bálsamo para amaciar a musculatura enrijecida em tempos tão duros. No entender dele, “os aspectos tormentosos da vida humana nos obriga a um discurso menos harmonioso”, portanto, as canções acabam servindo de alento à “humanidade em um mundo cada vez mais complexo”.
Foram as mais de 600 canções escritas por ele, além de todo o compromisso com a cidadania, que garantiram a honraria concedida pela Universidade Nova de Lisboa. Para Gil, o título de doutor honoris causa é um reflexo dos contrastes da vida. A mesma pessoa que recebeu o título foi presa durante a ditadura no Brasil e obrigada a se exilar. “Vejam as voltas que o mundo dá. O caráter imperativo do tempo, com seus caprichos e seus ministérios. Tempo rei”, frisou, numa referência a um de seus maiores sucessos.
Na cerimônia em que recebeu o prêmio, Gil expressou a sua “gratidão profunda a todos” e agradeceu o gesto da universidade para com um “cantor do simples, do sutil, quiçá do belo, por vezes acossado e assustado pelos horrores de um mundo traiçoeiro. Mundo esse que é forçoso também contar no meu canto”. Mais tarde, aos jornalistas, o artista destacou os avanços trazidos pela tecnologia à cultura, como o fato de se poder fazer arte com um simples aparelho como o telefone celular.
Profunda gratidão
Para o reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sáàgua, a honraria concedida à Gil transformou esta última terça-feira de outubro em um dia único e muito feliz. “O título de doutor honoris causa é uma expressão de profunda gratidão e reconhecimento pela sua vida e obra”, afirmou.
“No caso de Gilberto Gil, honramos valores fundamentais, que corporizam de dois modos, pela arte, que representa, para nós, valores da energia criativa, alegria sã, harmonia cósmica e compreensão profunda da humanidade, e pela cidadania, que representa, para nós, valores de liberdade, diversidade, igualdade, democracia”, acrescentou.
Segundo Sáàgua, tais valores são “essenciais na sociedade hoje, com todos os desafios que ela enfrenta”. Ele lembrou que, no ano em que a universidade completa 50 anos, “é extraordinário que um só homem represente tão bem tantos e tão importantes valores”, como o artista brasileiro. Com o prêmio, a instituição quis honrar, por meio de Gilberto Gil, “a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo”. A cerimônia de premiação se encerrou com um concerto do Júlio Resende, que fez um passeio pela ampla obra do compositor baiano, imortal da Academia Brasileira de Letras.
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