A inspiração para Kafka e a Boneca Viajante veio de uma curiosa história, que não surgiu dos sonhos intranquilos de Kafka, mas da imaginação popular. Conta-se que, enquanto caminhava por uma praça perto de casa, Franz Kafka (1883-1924), encontrou uma menina que chorava por ter perdido sua boneca. Sensibilizado, o escritor passou a escrever cartas da boneca para a menina, contando suas aventuras pelo mundo.
O musical, com direção de João Fonseca, dramaturgia de Rafael Primot e arranjos de Tony Lucchesi, estreou em 12 de outubro, dia do 23º aniversário do CCBB Brasília, e segue em cartaz até domingo (15/10), com sessões quinta e sexta, às 19h, sábado, às 16h e às 19h, e domingo, às 18h. O ingresso é gratuito e pode ser retirado em www.bb.com.br/cultura. A classificação indicativa é livre, no entanto, recomendada para maiores de 6 anos.
Idealizada pelo empreendedor cultural Felipe Heráclito Lima e produzida por Maria Angela Menezes e Amanda Menezes, a montagem reúne Alessandra Maestrini, André Dias, Carol Garcia e Lilian Valeska no elenco. Em circulação pelo Brasil com patrocínio da BB Seguros, a peça já foi apresentada no Rio de Janeiro, São Luís, Belo Horizonte e, depois de Brasília, seguirá para São Paulo. Nas cidades de Brasília e BH, o musical conta também com o patrocínio do Banco do Brasil.
Contada em livros, contos e peças pelo mundo, a bela história intriga até hoje. Uma vez que as cartas nunca foram encontradas e tampouco a suposta menina que fez um dos autores mais influentes do Século XX escrever as aventuras de sua boneca. A intrigante história inspirou o autor catalão Jordi Sierra i Fabra, cujo texto foi adaptado para o teatro por Rafael Primot e ganhou corpo por meio desse espetáculo musical.
Quando Rafael Primot foi procurado por Felipe, idealizador do projeto, com a ideia de adaptar o livro do Jordi, ele já conhecia a história das cartas. “O livro é curto, voltado ao público infantojuvenil e conta essa história de uma maneira muito simples. O desafio foi fazer um espetáculo mais profundo, levando-o para o universo adulto. Aí, resolvi trazer elementos da vida de Kafka para a história, como coisas que o escritor passou na sua infância, a relação conturbada com o pai, além de referências a seus livros”, explica Primot.
A narrativa não linear do musical reforça o ritmo ágil da montagem, alternando passado, presente e futuro, e alinhavada pela realidade vivida por Kafka (Sr. K interpretado por André Dias), e sua esposa Dora (Lilian Valeska), mais a menina Rita (Carol Garcia). O musical, atravessado pelo mundo ficcional das supostas cartas, dá vida à boneca Brígida (Alessandra Maestrini).
A metalinguagem é um recurso utilizado, como explica o diretor João Fonseca. “O jogo cênico proposto pela dramaturgia do Rafael é ágil e eu entendi que tínhamos que fazer uma brincadeira teatral, com os atores se arrumando em cena, se maquiando, lembrando que é um jogo, uma brincadeira. É um combinado, um faz de conta onde todos sabemos que não é real”. Na construção da mise en scène, destaca-se o trabalho de direção de movimento de Márcia Rubin, em especial para a personagem de Maestrini.
Um caso à parte é a trilha sonora, que se impõe como elemento dramatúrgico. No repertório, interpretado ao vivo e com maestria por todo o elenco, estão músicas de Caetano Veloso, Candeia, Cartola, Chico Buarque, Djavan, Lenine, Raul Seixas e Rita Lee. “Eu e o João [diretor] escolhemos canções que contribuíssem com a dramaturgia e ficassem orgânicas dentro do que a cena pede. Há ainda uma canção original, que eu e João compusemos, cantada pela menina num momento muito emocionante”, adianta Tony Lucchesi, diretor musical e arranjador.
A cenografia de Nello Marrese emoldura a passagem do tempo, seja a do fim da vida Kafka, da transformação da menina ou das viagens da boneca pelo mundo. Cubos móveis, um móbile, selos, carimbos e um fundo neutro, para valorizar o desenho de luz criado por Paulo César Medeiros, compõem a cena. Já os figurinos, assinados por João Pimenta, remetem à época dos últimos anos de vida do escritor, a década de 1920.
“Estamos sempre no fio da navalha de não infantilizar, mas também de preservar a singeleza da história. De um grande autor à beira da morte, sem forças para escrever, mas ao encontrar uma menina, e da dor daquela menina que o faz com que retome a escrita. Como a arte transforma tudo, como a arte conseguiu aliviar a dor da menina, como ele adquiriu esse último prazer na vida, encontrando energia para escrever”, analisa João Fonseca.
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