Música

Rappers norte-americanos reverenciam o maestro Arthur Verocai

Ao Correio, o maestro Verocai fala sobre o trabalho autoral, o sucesso internacional e as reviravoltas de sua carreira

Ser o músico predileto de uma pessoa é uma honra, mas ser o músico predileto de uma legião de músicos soa como uma responsabilidade. Arthur Verocai é essa pessoa, o músico preferido dos músicos. Maestro, arranjador, produtor e artista há mais de 50 anos, o carioca é uma dessas figuras que passou tempo demais longe dos holofotes. Porém, mesmo depois de muitos anos, o reconhecimento veio.

O músico tem no currículo composições que fizeram muito sucesso nos lendários festivais brasileiros dos anos 1960, orquestrou e arranjou discos famosos de Jorge Ben Jor, Gal Costa, Tim Maia e Ivan Lins até que, em 1972, decidiu que se lançaria como artista. Verocai apresentou ao mundo o primeiro disco solo, auto-intitulado. No entanto, não fez com o público o sucesso que fizera com os artistas com os quais trabalhava.

O disco acabou sendo pouco explorado, inclusive pela Continental, responsável por distribuir o álbum. "Quando fiz esse disco, eu falei assim: 'Fiz um disco bom pra caramba, um trabalho sensacional, esse meu disco, deixa esses caras ouvirem que eles vão gostar'. Só que eu estava pensando em termos musicais e não em mercado. O mercado abominou o meu disco, a própria Continental não fez nem um show de lançamento, não me incentivou a nada", lembra o artista em entrevista ao Correio.

A música dele tinha um rebuscamento que não foi entendido pelo público da época, apesar de dialogar muito com o movimento mineiro do Clube da Esquina. O sucesso foi muito abaixo do esperado. "Os jovens da minha época (risos) estavam muito velhos, então eles não assimilaram o que eu fiz lá no disco", brinca o músico, que recebeu um estigma do qual, 50 anos depois, ainda tem raiva. "Eles me botaram o rótulo de complicado. Tinha gente que virava para mim e falava assim: 'faz esse arranjo, mas não complica'", recorda.

O álbum, portanto, acabou circulando pouco no mercado brasileiro. Contudo, foi descoberto muito depois, por um nicho inesperado: o do hip-hop norte-americano. Ao todo, as músicas de Arthur foram sampleadas, ou seja, tiveram trechos usados como bases de batidas para outras canções 64 vezes. Dessas 64, 59 saíram do álbum Arthur Verocai, de 1972, principalmente das faixas Na boca do sol e Dedicada a ela. "Os rappers de lá e os beatmakers começaram a se encantar com o trabalho. Agora, não só eles, como também o pessoal do jazz lá gostou do disco", afirma o maestro.

O fator fez com que Verocai tivesse uma trajetória pouco usual. Ele fez sucesso entre os músicos, não se deu bem na carreira solo e, nos anos 2000, voltou a ser escutado no Brasil, porque fez sucesso como base de vozes de rappers como Ludacris, MF Doom e Schoolboy Q. Entretanto, no fim das contas, ele estava correto quando falou que o disco era bom e não "complexo demais". "Eu fico muito feliz de ter feito esse disco, porque comprova que eu estava certo (risos). Que os outros é que estavam errados. Quer dizer, eu não sei se eu estava certo para aquele momento, mas eu estava certo para a minha imagem como artista para qualquer futuro que fosse aparecer", destaca.

O maestro está em produção a todo vapor. Fez dois shows no Brasil em maio, pelo Festival Mita ao lado da banda de jazz norte-americana BadBadNotGood, e fez uma tour pelos Estados Unidos em agosto. Ele só não se apresentou nos Primavera Sound de Barcelona e Porto, porque uma arritmia cardíaca o impediu de viajar em junho. "Eu não preciso ficar implorando trabalho para ninguém, o trabalho vem a mim. Eu com 78 anos trabalhando que nem um condenado, nunca trabalhei tanto", explica. "Estou muito feliz mesmo. Isso aí, maravilha. E agora eu fui reconhecido aqui no Brasil também. Porque eu era reconhecido lá fora", completa.

Música despretensiosa

Criado em uma casa de amantes de música, Arthur foi acostumado a viver ouvindo música, a sentir e se comunicar por meio da música. Por isso, o que ainda o move como artista é continuar fazendo música. "Eu vou fazendo o que eu estou sentindo e que é pura música. Acho que é isso que me sustenta, é seguir o meu caminho fazendo música mesmo", reflete o arranjador. "Eu gosto de fazer o meu trabalho, o que eu sinto, eu acho que a minha cabeça é que manda. O que pinta, o que baixa vai saindo. Não vou ficar tecnicamente elaborando nada não. Acho que ser grande é você ir pelo sentimento, é ir pelo teu feeling na hora de fazer as coisas. A beleza na realidade está dentro da gente. Cada um ouve de um jeito", complementa.

No ápice da maturidade e sabedoria, Verocai aproveita para aconselhar quem tenta uma carreira como a dele. "Eu acho que o músico que quer ser autoral ou que quer fazer um trabalho mais pessoal tem de, desde pequeno, correr atrás do que ele sente, das vibrações que ele está sentindo em determinados pontos da música, em determinados estilos da música", diz o músico que se usa de exemplo. "Eu estou aqui, faço o que eu sinto, não tenho muita pretensão de ser isso ou aquilo."

 

 

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