Os corredores do Teatro Dulcina exalam história. O prédio projetado por Oscar Niemeyer abriga um acervo material digno de museu, que está sendo inventariado, do zero, pela primeira vez na história da instituição, na nova gestão da Fundação Brasileira de Teatro (FBT). Os armários do espaço tombado patrimônio cultural do Distrito Federal não só guardam figurinos e cenários utilizados em peças datadas desde 1930, como também documentos oficiais que revelam fatos importantes da história do Brasil.
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O processo de construção do inventário dura mais de um ano, mas ainda é fonte de descobertas diárias. "Tudo é muito fresquinho, todo dia temos uma novidade em relação à Dulcina", conta o produtor cultural Josuel Jr., um dos quatro responsáveis pela inventariação do acervo. Em meio aos bens históricos, existem diversas peças que não eram revisitadas há décadas. "Muitas coisas que ficaram muitos anos guardadas foram preservadas da maneira que foi possível. No entanto, o fato de terem ficado guardadas às sete chaves fizeram com que o momento certo de divulgar essas peças ficassem para trás", avalia.
"O álbum original do Auto da compadecida, por exemplo, ficou guardado aqui por 40 anos, fechado. Se a gente for abrir o álbum para tentar falar com alguém que fez a peça, a maioria já morreu", exemplifica Josuel. "Se o que temos aqui tivesse sido divulgado na hora certa, nós não precisaríamos ficar reforçando o quanto Dulcina foi importante na história da cultura brasileira", pontua o produtor cultural.
Mudanças decisivas para a história do teatro, e do Brasil, estão guardadas no prédio por meio de documentos e ofícios — o Diário Oficial em que foi publicada a instauração da profissão de artista no Brasil, documentos originais da época da censura que solicitavam o licenciamento e a liberação de peças, e até mesmo a carteira de trabalho de Dulcina de Moraes, que, nos anos 1930, já recebia salário mensal pela profissão de atriz. "Esse é o tipo de coisa que nem deveria estar aqui. Deveria estar no saguão do Congresso Nacional devido tamanha relevância", observa.
Pôsteres de peças de sucesso, exemplares do histórico jornal O Pasquim, da década de 1970, e LPs de tiragem única de trilhas sonoras são encontrados expostos pelos corredores. Nos armários, mais de 3 mil fotos digitalizadas que registram grandes momentos do teatro brasileiro e também da formação dos grandes nomes da atuação nacional. Entre a imensidão de história material, destacam-se registros como diários de classe de aulas ministradas por Cecília Meireles e um bastão de Molière construído por Pernambuco de Oliveira, cenógrafo das peças de Nelson Rodrigues — o objeto foi utilizado nas primeiras décadas de teatro, como o substituto do que conhecemos hoje pela campainhas que soam antes das peças.
Conheça o acervo do Teatro Dulcina:
No mundo da moda, Dulcina também ditava tendências. Os figurinos presentes no acervo reúnem peças de algumas das marcas de luxo mais famosas do mundo, como Dior. O teatro abriga, até hoje, vestidos feitos especialmente para a dama do teatro, registradas com seu nome, datados da década de 1950. "Dulcina viajava para o exterior e trazia referências para reproduzir aqui. Ela não era referência apenas no teatro", aponta a museóloga Desiree Calvis. "A gente tem fotos dos alunos, até pouco tempo, utilizando o acervo como se fosse material didático, sem ter a menor noção do peso dessas roupas", revela. O local tem recebido especialistas em moda para auxiliar no processo de inventário das vestimentas.
Toda a imensidão do material traz a percepção de que o Teatro Dulcina era sinônimo, também, de tecnologia para a época. "Ela foi inovadora, ela trouxe os cenários 3D para cá, além de trazer os cenários de tecidos pintados. Tudo isso era uma visão dela. Ela foi para fora e via como as coisas aconteciam, via como ela podia desenvolver melhor e trazia", conta Desiree. "Nós precisamos guardar até os canhões de luz que eram utilizados no passado, que chegam a justificar a incidência de câncer de pele que atores e atrizes tiveram", opina a museóloga. "Tudo aqui é história, desde os óculos que ela usava aos documentos que exemplificam a cidadã que ela era", complementa.
Para Desiree, e muitos outros, Dulcina de Moraes foi a grande visionária do teatro brasileiro. "Na época dela, isso era palpável, as pessoas sabiam dessa influência dela, então elas iam até ela para entender o que ela estava fazendo, para conseguir reproduzir as roupas que ela estava usando. As peças que ela fazia ficavam meses em cartaz, porque sempre tinha casa lotada, a presença dela era muito requisitada", relata a museóloga. "É muito incrível sentir essa energia, você sente essa energia quando lida com o acervo dela. A energia dela está no prédio, não tem como. Aqui todo mundo tem máximo respeito pela entidade que é a Dulcina, porque tudo era ela", finaliza Desiree.
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