MÚSICA

Celebração armorial e a renovação das artes com Ana Oliveira e Sérgio Raz

Duo formado por Ana de Oliveira e Sérgio Raz lança o álbum Armoriando (Selo Sesc), que integra as comemorações dos 50 anos do movimento armorial

 Os músicos Ana de Oliveira e Sérgio Ruaz: erudito e popular 
 -  (crédito:  Re Duarte e Santiago Harte/Divulgaçã)
Os músicos Ana de Oliveira e Sérgio Ruaz: erudito e popular - (crédito: Re Duarte e Santiago Harte/Divulgaçã)
postado em 25/09/2023 03:55 / atualizado em 25/09/2023 14:56

Em 1970, sob a liderança de Ariano Suassuna, o movimento armorial desencadeou ampla renovação das artes, que passou pela literatura, a gravura, a escultura e a música. Sem meias-palavras, Suassuna defendeu uma arte brasileira no limite do erudito e do popular, sob o duplo foco da qualidade e da autenticidade: "Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto", gostava de repetir Suassuna: "Não se conhece um gênio de gosto médio." Ainda em celebração aos 50 anos do movimento, o duo formado pela paulista Ana de Oliveira e o pernambucano Sérgio Raz lança o álbum Armoriando (Selo Sesc).

O duo se formou em 2018, durante a Mimo, Mostra Internacional de Música de Olinda, executando  um repertório que vai de Egberto Gismlonti a Hermeto Paschoal, de Villa-Lobos a Música Armorial, da música contemporânea ao jazz. E também contemplando as obras de Sérgio Raz. l de Música de Olinda, o duo aborda repertório abrangente com obras de compositores que são referências para os dois artistas, como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Villa-Lobos, Música Armorial, música de concerto, música contemporânea e jazz internacional, além de obras autorais de Sérgio Raz.

Paulistana, Ana é mestre em música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e graduou-se na Escola Superior de Música de Freiburg, Alemanha, onde viveu por nove anos. Atuou como Spalla da Camerata Rio Strings no CD Fantasia Brasileira (Biscoito Fino) indicado ao Grammy em 2005. Realizou a primeira audição no Brasil de obras de importantes compositores como Mário Tavares, Egberto Gismonti, Benjamin Britten, Charles Ives, Carlos dos Santos, Clarice Assad, entre outros.

Bacharel em música pela Universidade Federal de Pernambuco, Sérgio Raz participou como violinista nas aulas-espetáculo de Ariano Suassuna entre 2008 e 2014. Neste mesmo período foi violinista do Quarteto Romançal, grupo liderado por Antônio Madureira, compositor e instrumentista do movimento armorial. Além disso, ele se destacou como compositor de música armorial, jazz, flamenco e música eletroacústica.

Qual a relevância do movimento armorial para a cultura brasileira? O que deve ser celebrado neste movimento?

A importância do movimento armorial foi resgatar, divulgar e valorizar a cultura de raiz popular brasileira nas suas diversas vertentes na música, na literatura, nas artes plásticas, no teatro, na dança e no cinema. Em outubro de 1970, Ariano Suassuna inaugurou oficialmente o Movimento Armorial em um concerto público na Igreja de São Pedro dos Clérigos em Recife. Na ocasião, a Orquestra Armorial apresentou repertório do barroco pernambucano na primeira parte e, na segunda, as primeiras obras escritas especificamente para a criação do movimento, de compositores como César Guerra-Peixe, Jarbas Maciel, Clóvis Pereira, Cussy de Almeida e Capiba, com o intuito de recriar a música nordestina em bases eruditas. Foram apresentadas também obras de artes plásticas dos primeiros artistas que aderiram ao movimento, entre eles Gilvan Samico e Francisco Brennand. A reunião de artistas de primeira linha em torno de um ideal estético autenticamente brasileiro foi de extrema importância para a criação de obras primas de alta relevância artística para o repertório de música brasileira assim como obras literárias e de artes plásticas que até hoje são um marco de nosso cultura.

Como é o diálogo do violino com a viola de 12 cordas no trabalho de vocês?

O diálogo do violino com a viola de 12 cordas se dá de maneira orgânica e camerística, uma formação minimalista de música de câmara, o duo. Em nosso trabalho no álbum Armoriando, a viola de doze cordas foi escolhida por ter uma sonoridade mais representativa da música da cultura popular nordestina. A sonoridade do violino neste álbum remete aos sons das rebecas intencionalmente. Não há fronteiras entre música erudita ou popular neste trabalho. Ambos os instrumentos atuam como solistas e instrumentos base nos arranjos criados por Sérgio Raz.

O som armorial evoca, revela e remete a que Brasil ou Brasis?

A Música Armorial tem forte influência da música da cultura popular do Nordeste do Brasil, da Música Barroca, da Música Ibérica e Medieval. A Música Armorial evoca o Brasil do sertão, dos rabequeiros e violeiros, nos revela nossas raízes ibéricas e mouras. A música armorial nos remete ao Brasil ancestral e ao Brasil miscigenado.

Qual o foco da releitura que vocês fazem de compositores importantes tais como Antônio Madureira, Clóvis Pereira, Guerra-Peixe e Jarbas Maciel? Por quê é importante reler os compositores clássicos do movimento?

A valorização de nossos artistas, compositores e criadores é sempre importante e certamente este é um dos focos de nosso trabalho. No álbum Armoriando, um de nossos objetivos é também resgatar e trazer para as novas gerações estes grandes nomes e o conhecimento da música armorial. Buscamos em nossas interpretações retratar sonoramente o universo da música de raiz popular, como por exemplo no Dueto característico de Guerra-Peixe, que gravamos com a viola de doze cordas e não com o violão clássico, trazendo para o ouvinte uma sonoridade mais afiada, mais contundente e mais lancinante que é o nome da obra de Antônio Madureira que abre o álbum. No violino, buscamos uma sonoridade mais rústica, com pouco vibrato, mais ardente, evocando a sonoridade de nossas rabecas.

O movimento armorial se destacou muito pela literatura de Ariano Suassuna. Qual a relevância da música dentro do movimento?

A música é essencial dentro do movimento. Composições icônicas, grupos de excelência artística internacionalmente reconhecidos, como o Quinteto Armorial e a Orquestra Armorial, obras originais registradas numa discografia histórica e indispensável para se acompanhar a história da música brasileira da segunda metade do século 20. Citando Ariano Suassuna em texto que escreveu para a contracapa do primeiro álbum do Quinteto Armorial, Do romance ao galope nordestino: "Foram os compositores armoriais que revalorizaram o pífano, a viola sertaneja, a guitarra ibérica, a rabeca e o marimbau nordestino."

Esta é a relevância da música dentro do movimento. O grande líder do movimento Armorial, Ariano Suassuna, é contestado por defender um nacionalismo supostamente exagerado, que não realizaria uma interação com as circunstâncias da vida contemporânea. O movimento armorial é datado ou ele pode ser uma fonte de inspiração para as novas gerações?

Sérgio Raz a partir de seus oito anos de convívio intenso com Ariano Suassuna nas viagens de suas aulas-espetáculo que circulavam por todo Brasil, pode ouvir do próprio que a grande intenção de Suassuna em seus ensinamentos era a conscientização de nosso povo para o valor de sua própria cultura. Citando Suassuna: um povo que tem consciência de sua própria cultura jamais será subjugado. Para isso o intelectual não mediu esforços.

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