"O amor que tenho pela minha família é o que me torna mais forte", reforça, a dada altura do longa-metragem Besouro Azul, o protagonista Jaime Reyes (interpretado por Xolo Maridueña, de Cobra Kai). O pensamento do jovem combina com a ideia construtiva do roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer, focado em benefícios para uma comunidade na fictícia Palmera City e ainda na origem bem marcada dos latinos que cercam o heroico Jaime — muitos deles amantes do dramalhão Maria do Bairro (citado por várias vezes no enredo, ao lado de Chapolin). Com tempero brasileiro — mais precisamente pela projeção dada à atriz Bruna Marquezine, desde o pôster do filme —, a produção que agrupa elementos mexicanos e guatemaltecos vê algo azedado, diante da impossibilidade de a atriz divulgar a fita, por causa da greve de roteiristas e atores vinculados a Hollywood.
No filme da DC que traz muita ficção científica, junto com várias geringonças em cena, com sabor à la Sessão da Tarde, vale destacar uma frase, em alto e bom português ("Eu também queria"), proferida pela personagem de Bruna. No filme, ela interpreta o interesse romântico do involuntário herói dos quadrinhos, e também vem a ser a sobrinha pacifista (e malvista) da principal vilã do filme, a CEO da indústria tecnológica Kord (papel de Susan Sarandon).
Demovendo visões machistas, o filme dirigido por Angel Manuel Soto põe à prova o "superpoder" de ser invisível destinado a latinos, como é o caso da irmã de Jaime, Milagro (Belissa Escobedo). Contra o protótipo desenvolvido pela corporação Kord, um projeto de homem ultraempoderado, o chamado OMAC (sigla para Exército de um Homem Só), Jaime, junto a uma crise familiar, se verá em um processo de simbiose. Tateará os recém-adquiridos poderes, num filme que parece ter orçamento limitado. Na aventura (por momentos) com quê trash, e que lembra o oitentista Flash Gordon, paira um clima assumidamente de visual de videogame.
Se, no humor, o personagem traz semelhanças com uma proposta ao estilo de Homem-Formiga, fica a ideia de que, entretanto, Besouro Azul seja um inseto virtualmente menor. No divertido papel da avó revitalizada, uma antiga guerrilheira que brada, a plenos pulmões, "Abaixo os imperialistas!", Adriana Barraza (a atriz indicada ao Oscar do drama Babel) traz fôlego à ideia de combate ao etarismo.
O amor em desgoverno
Cineasta consagrado, Ira Sachs, no mais recente filme, Passagens, tem pela frente um drama do cineasta Tomas, protagonista confuso com a sexualidade, interpretado pelo alemão Franz Rogowski (em cartaz na cidade, no recente Disco Boy: choque entre mundos). Situado em Paris, o enredo tem um curioso olhar contemporâneo que alcança uma citação até mesmo para Brasília. "Eu nunca estive em Brasília. Mas, de longe, admiro a singularidade da cidade tanto arquitetonicamente quanto em termos de geografia, como se fosse uma invenção, praticamente como um cenário de filme, que brotou — e agora existe. Para os personagens (num time que inclui o premiado Ben Whishaw), a citação representa alguma ideia puramente estética — algum lugar que os amantes só podem imaginar — e também que eles nunca vão visitar juntos", observa, em entrevista ao Correio.
Exibido nos Festivais de Berlim e Sundance, Passagens, com amplo diálogo LGBT, chega numa perspectiva especial, como conta o cineasta: "O que me interessa em um filme como este é se tratar do primeiro filme que fiz em que nenhum dos personagens encampa alguma vergonha: não há nada que esteja escondido no filme. Tudo é falado, abertamente, e vejo isso como um progresso em comparação com um filme que eu poderia ter feito há 30 anos. Certamente, seria sobre o impacto do que estaria oculto. Acho que ser assumido é muito importante para cada pessoa gay".
Agathe (Adèle Exarchopoulos, premiada em Cannes, por Azul é a cor mais quente) é a personagem que baratina os enamorados Martin e Tomas, num filme cheio de reviravoltas. "Acho que tudo que aprendi, como diretor, decorreu das minhas recorrentes leituras de livros. Quanto à inspiração, sinto que aprendi tudo sobre ser um cineasta, lendo romances, então, para mim tudo começa com Henry James, Edith Wharton e Proust. Tudo vai dali: particularmente, sinto que os três estão infinitamente interessados na complexidade da palavra amor. E amor é das palavras menos simples, uma palavra que exige escritos de 3 mil páginas", pontua. (RD)
Entrevista / Ira Sachs, cineasta
Qual foi a importância de você aderir a movimentos como a parada gay?
Lembro-me de quando era jovem e do que um momento como aquele significou para mim, mas acho de certa forma, estou sempre procurando lugares em que me sinta empoderado como homem gay, seja pela força da comunidade e, assim, a parada é como uma literalização do que eu busco em minha vida: um sentimento de companheirismo e de aceitação social. Sinto que há espaço para nós e nas cidades que vivo não temo a violência, mas diria que para muitas pessoas o medo da violência ainda é todo dia como uma pessoa gay.
Como é a sua vida em família?
Casei com um equatoriano. Com a mãe e a esposa dela, somos quatro pais, dois filhos, uma família 'estranha', e quero dizer funciona em nossa família como nós, mas funciona não por causa de nossa queerness, mas por causa de nossa capacidade de ouvir. É uma prova de mudança, mas acho que nem todas as mudanças caminham para o progresso. Não acho que você possa inferir que, uma vez que o tempo passe, as coisas sejam melhores. Na diferença, espero que se perceba que a coisa comum sobre todos esses três personagens do filme é que eles não sentem vergonha. Sinto que se a vida fosse alimentada pela vergonha, teria sido destruída por este sentimento. Numa outra perspectiva, se cria um otimismo. Claro, os personagem têm problemas, mas eles não estão tentando se esconder, e isso é algo novo.
Sua vida impulsionou algo no filme?
Não acho que minha experiência seja universal, mas fico feliz se pode ser libertador vê-la. Também acho o que é interessante neste filme em termos de passagens é que, quando escrevi o filme, pensei que seria um filme sobre identidade e a mudança de identidade: um homem gay dorme com uma mulher e isso seria algo significativo no filme. Na verdade, isso não tem lugar, não há identidade quebrada. Na verdade, parece completamente fluido e eu acho que é uma história de diferença geracional. Pensava como seria tratar de um homem gay que se torna outra coisa, mas o tema não se ajusta mais às pessoas, os termos não funcionam para a nova geração e isso é muito interessante.
Fassibinder, Derek Jarman, Almodóvar e Stephen Frears foram influências?
Não acho que Frears seja gay, mas sobre filmes, quando as pessoas me perguntam quais foram significativos, prontamente digo O amor não tem sexo (1987), Minha adorável lavanderia (1985) e Sammy e Rosie (1987). Frears foi muito importante para mim, aos meus 20 anos. Para este novo filme (Passagens), eu assisti Accattone (de Pasolini), e de Fassbinder assisti a O direito do mais forte (1974). Vi Je, tu, il, elle (1974), de Chantal Akerman, foi o filme mais importante para mim na criação de Passagens. Fico animado com as pessoas que você mencionou porque elas, na minha cabeça, são a minha família.