O teor encorpado do cinema do diretor alemão, de origem turca, Fatih Akin retorna às telas, com a estreia de Rheingold — O roubo do sucesso. "A violência sempre é algo com apelo para o cinema", observa o cineasta, em entrevista ao Correio. Apresentado com título que remente à obra O ouro do Reno (das série de criações em ópera de Wagner), o filme traz, na verdade, um drama bastante contemporâneo, baseado na autobiografia do rapper Xatar, ex-detento que, em 2015, liderou o interesse dos leitores, ao tratar de contravenção e arte.
"Sou sempre movido pela curiosidade de explorar temas que não conheço", pontua o diretor que, já investiu no retrato de personagens descolados das raízes, como visto em Soul Kitchen (2009) e Em pedaços (2017). Para além do relato do livro, em Rheingold, o personagem real (chamado Giwar Hajabi) acompanhou a etapa de criação da camada sonora do filme. "A ajuda dele foi algo muito importante, mas ele não atuou na montagem do filme", explica Akin.
Até o estouro do primeiro álbum, criado com um cobertor a abafar o ruído do cotidiano da cadeia em que está instalado, Xatar (palavra curda que remete a perigo) passa pelo rito que o forja no "sofrimento" (sinônimo para Giwar): num relato seco, antes da associação dele com a máfia globalizada, e extremamente rude, sob o comando do tio Yero (Ugur Yucel), Xatar convive com o fundo de guerra, que o contrapõe à Revolução Iraniana e ao choque entre iraquianos e iranianos. "Refugiados sempre trazem consigo o aspecto político, daí, impossível, dissociar o personagem desta realidade. Eu mesmo tenho parentes turcos, mas eles não vieram para a Alemanha em situações extremadas", confirma o diretor.
Uma preparação à la Karate Kid e Rambo é necessária para fortalecer o jovem protagonista (interpretado, num primeiro momento, por Ilyes Moutaokkil, e depois por Emilio Sakraya). Até chegar ao papel de policial impostor, galga patamares de contravenção: vende cópia de filmes pornôs, integra um ciclo que explora mulheres caribenhas e holandesas, em boate, e coloca em risco o relacionamento com a própria família. A lida com cocaína líquida, o lucro com resíduos de cadáveres e o sufocar de emoções tornam a figura de Xatar pouco carismática.
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Rheingold desfila situações no Oriente Médio, na Holanda e ainda na Alemanha, com enredo que revela o destino do pai de Xatar, Eghbal (Kardo Razzazi), a aproximação do rapper da pretendente Shirin e a dependência dele junto ao protetor, Mirian (Arman Kashani). Junto com registros de roubos, como no retratado no longa Tschick (2016), do cotidiano de um serial killer, caso de O bar Luva Dourada (2019) e do relato de vingança disposto no vigoroso Em pedaços (2017), Fatih Akin persegue o faro por bons personagens: "Independente de gênero, seja mulher ou homem, busco o que desperta interesse (na sociedade)".