Fliparacatu

Penúltimo dia da Fliparacatu foi marcado por celebração da criatividade

O dia começou com a premiação de desenhos e redações de crianças e adolescentes de escolas locais.

Conceição Evaristo e Mia Couto participam da última mesa do dia para discutirem
Conceição Evaristo e Mia Couto participam da última mesa do dia para discutirem "Vozes da alma". - (crédito: Ranch Films)
Amanda Canellas*
postado em 29/08/2023 10:42

No último sábado (26/8), penúltimo dia da Fliparacatu, as atividades começaram com as premiações de redação e desenho promovidas pela organização do evento, no Centro Pastoral São Benedito. As crianças de 4 a 18 anos vencedoras receberam cheques com valores entre R$ 300 e R$ 1 mil para incentivar a produção criativa. A premiação teve a participação dos autores convidados e a presença ilustre da linguista Conceição Evaristo e de uma das fundadoras da Academia de Letras do Noroeste de Minas Gerais, Coraci da Silva Neiva Batista. Em um dos discursos, Conceição celebrou: “Apesar das durezas da vida, há esperança. A arte não morre, tudo passa, menos a arte”. Além disso, ela saudou as escolas públicas que participaram da premiação e afirmou que elas são a salvação deste país.

Ao longo do dia, a programação contou também com a presença de Márcia Kambeba e Trudruá Dorrico, que debateram sobre o tema "Narrando ancestralidades", Socorro Acioli e Paloma Jorge Amado, com uma mesa sobre "Milagres do povo: relações entre fé e literatura", e Luíza Romão e Alexandre Marino, que analisaram "O Tempo da Poesia". Renato Noguera e Joana Silva conversaram sobre "Por que amamos ou os desafios do amor", e Eliana Alves Cruz e Calila das Mercês refletiram sobre "Contos ancestrais: o Brasil de ontem e de hoje".

Em outra  mesa, Zeca Camargo e Pedro Pacífico analisaram o início da escrita criativa em suas vidas. O jornalista comentou que percebeu a falta de meninos na premiação da Fliparacatu e poucos professores homens. “Nós [meninos] não éramos incentivados a escrever, sempre nos colocavam para jogar bola”, contou. Ao relembrar como começou a escrever, Zeca conta a história de uma professora que pediu para que escrevesse uma redação inteira sem usar letra “A”. Ele acabou premiado pelo trabalho. Em seguida, o autor de Trinta segundos sem pensar no medo: Memórias de um leitor contou sobre a barreira que sentia antes de escrever, por se comparar aos demais autores que lia. Pedro Pacífico citou Toni Morrison: "Se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda, então você deve escrevê-lo”. O autor revelou que isso o ajudou a encontrar sua própria voz na escrita.

O escritor Jeferson Tenório e Lívia Sant’Anna Vaz, autora de A justiça é uma mulher negra, mediados por Itamar Vieira Júnior, discutiram a “Literatura e direitos humanos: uma reflexão sobre o direito à ficção”. "A justiça é uma mulher negra cujos cabelos crespos pulam da cabeça", disse a jurista. Lívia analisou o conceito do que são as legislações: "O direito produz discursos ficcionais, é uma aproximação da realidade". O autor de O Avesso da pele analisou mais profundamente o conceito de humanidade dado pela sociologia em estudos acadêmicos. “Quando as pessoas se 'descobrem' negras, não é uma descoberta, é uma acusação. Dentro dessa acusação está uma mutilação, a retirada da humanidade, você passa a ter uma cor, ser julgado por essa cor”. O autor completa: “Não há como fazer literatura sem levar essas questões em consideração, se não, esse autor é alienado”.

Na mesa de discussão sobre a “O campo no Brasil, ontem e hoje: os brasis mutáveis, imutáveis”, Paulliny Tort e Itamar Vieira Junior buscaram refletir sobre o poder da terra na literatura de ambos. "Terra e território são questões humanas, a humanidade não existe sem", expõe Itamar. A autora de Erva Brava refletiu sobre a “modernização” nas cidades e como isso mudou completamente cenários de cidades grandes e pequenas. "Quis escrever um livro sobre esse mundo de desencanto", contou. Durante o debate, Paulliny citou o caso do Carlos, funcionário do festival. “Ele me disse que ganhou uma premiação de festival literário e hoje está aqui ajudando a Fliparacatu. É sinal que o que estamos fazendo não acaba aqui”.

Antes de iniciarem a última mesa do dia, Henilton Menezes, Secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura e Flávio Rocha, diretor do Instituto Rouanet, apresentaram a nova fase da Lei Rouanet, incentivaram a população a frequentar os locais e reforçaram que é direito da população ter acesso à arte e à cultura. Os dois homenageados da Fliparacatu dividiram a mesa para discutirem o tema “Vozes da alma”. Conceição Evaristo e Mia Couto falaram sobre invisibilidade e racismo dentro da literatura. "A escrita é universal porque você não precisa se identificar com a dor, mas ficar perturbado pelo que o personagem traz", disse Conceição. "Nenhum escritor escreve sobre conceitos, escreve sobre coisas reais, pelo medo, pelos sentimentos", destacou o autor moçambicano. Ao final, a autora de Canção para ninar menino grande falou sobre a felicidade de estar num festival de literatura,  mas advertiu que parte da população não está presente: "Um desafio que eu quero lançar é ter mais pessoas negras". 

O festival foi realizado graças ao patrocínio da Kinross, via Lei Rouanet, e com o apoio da Prefeitura Municipal de Paracatu, da Paróquia de Santo Antônio e do Projeto Portinari.

 

*Estagiária sob a supervisão de Nahima Maciel

 

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