Artes visuais

Obras raras e inéditas de Portinari formam exposição em cartaz no CCBB

Exposição concebida por Marcello Dantas e João Cândido Portinari traz ao CCBB obras raras e pouco vistas do pintor que levou o Brasil para o mundo

O óleo sobre tela Menino com gaiola foi pintado em 1961 -  (crédito: Fotos: Portinari)
O óleo sobre tela Menino com gaiola foi pintado em 1961 - (crédito: Fotos: Portinari)
Nahima Maciel
postado em 29/08/2023 10:01 / atualizado em 30/08/2023 13:07

Cândido Portinari passou a vida procurando a tela Baile na roça. Pintada em 1923, quando ele tinha apenas 20 anos e estudava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a obra desapareceu do radar do artista, que morreu em fevereiro de 1962 sem encontrá-la. Em 1980, ao dirigir um Globo Repórter sobre o pintor de Brodowski, o cineasta Eduardo Coutinho mostrou uma pequena fotografia em preto e branco da obra. Rasgada e envelhecida, a imagem foi fornecida por João Cândido Portinari, filho do artista, que dava início então ao Projeto Portinari, um trabalho colossal para reunir um banco de dados de todas as obras do pintor. "Pedi para o Eduardo colocar a foto dizendo que era uma das mais procuradas do projeto", conta João.

Pouco tempo depois, ele recebeu um telefonema de uma senhora que acreditava ter encontrado a obra. "Achei que fosse um trote", lembra. "Fomos lá visitar e estava numa casa particular, na Tijuca, em estado de conservação muito ruim, com a assinatura ilegível, uma parte rasgada." Hoje restaurado, o Baile na roça é uma das estrelas da exposição Portinaris raros, que tem início hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e reúne obras pouco ou quase nunca vistas pelo público.

  • Tempestade, óleo sobre tela, 1943 Portinari
  • Menino com gaiola, óleo sobre tela, 1961 Fotos: Portinari
  • Baile na Roça, óleo sobre tela, obra resgatada e restaurada Portinari

Um Portinari experimental, multifacetado e explorador das mais diversas técnicas emerge dessa reunião de cerca de 200 obras que trazem surpresas como Baile na roça. Nesse conjunto, Portinari é pintor, mas também é figurinista, ilustrador e artista gráfico. Em outro momento surpreendente, ele aparece em uma fotografia enquanto pinta uma suástica nazista que sangra sobre o mapa do Brasil. Era 1941, corria a Segunda Guerra e Getúlio Vargas flertava com a Alemanha nazista, o que certamente preocupou e motivou o pintor a realizar o cartaz dramático. "É um soco no peito", garante João.

Na mesma época, ele também produziu uma série de posters didáticos encomendados pela primeira dama do Rio de Janeiro para alertar a população sobre medidas de proteção caso o Brasil sofresse ataques. Ilustrações sobre como se proteger da explosão de uma bomba ou como evitar ter a casa transformada em alvo de bombardeios faziam parte do conjunto. "É uma vertente menos conhecida de Portinari que é a de artista gráfica", explica João Cândido, que também fez uma investigação sobre os interesses do pai pelos povos originários e se espantou com preciosidades. "Quando surgiu a questão e a tragédia com os ianomâmis, fiz uma pesquisa para ver se Portinari tinha se relacionado com esse tema e houve uma relação profunda. Portinari tomou interinamente para si a causa dos povos originários e se interessou profundamente pela arte indígena, que é uma arte fantástica", conta, ao lembrar de uma índia karajá que o pai pintava quando morreu.

Curador da exposição, Marcello Dantas conta que tudo começou há alguns anos, quando ele e João tiveram a ideia de reunir obras capazes de revelar um lado íntimo e pouco conhecido de Cândido Portinari. "É um artista que produziu uma quantidade absurda, mais de 5 mil obras, e ao mesmo tempo havia uma discrepância muito grande entre os grandes painéis e grandes obras e um lado absolutamente delicado de um pintor que fazia figurinos, que era esquecido", explica. "O foco foi fazer uma exposição de obras que nunca são mostradas, figurinos, artes gráficas, desenhos. São obras que ficaram esquecidas ou perdidas." Uma animação digital mostra os figurinos concebidos para o balé Iara, uma encomenda do Original Ballet Russe que, por conta da Segunda Guerra, voltou suas excursões para a América Latina e produziu a obra com música de Francisco Mignone. Portinari criou 45 figurinos para o balé, além dos cenários. Outras preciosidades são Menino soltando pipa, única cerâmica feita pelo artista, e o exuberante Flora e fauna brasileiras, além de uma pintura abstrata, a única realizada por Portinari.

Além das obras, a exposição traz também filmes dirigidos por Eduardo Coutinho, por Carla Camurati e pelo próprio Marcello, com depoimentos de amigos, artistas e especialistas, além de um projeto imersivo pensado para proporcionar uma experiência que leve o público a conhecer ou reconhecer as obras mais famosas do pintor. O pavilhão do CCBB recebe o Portinari imenso, uma projeção em 360 graus, de cerca de 30 minutos, com imagens de painéis como Guerra e paz, pinturas da infância, uma grande paixão do artista, e imagens de obras sacras realizadas em igrejas brasileiras como a da Pampulha, em Belo Horizonte, que podem ser vistas apenas in loco. "Ou seja, é trazer à tona esse outro lado, o lado humano que as pessoas não têm conhecimento, a intimidade dele", diz Dantas. "A mostra vai se tornando íntima. É uma mostra híbrida que tem a capacidade de juntar o documento, o monumental e o raro."

 

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