“Tu sabe aqueles maconheiros/Os mais famosos do Brasil/Que se juntaram novamente/Aí tu já viu”, canta Marcelo D2 na faixa Ainda, lançada em 2022 pela banda Planet Hemp no disco Jardineiros, que marcou o fim de um hiato de 22 anos sem músicas inéditas. A extensão desse disco chegou na última sexta com Jardineiros:a colheita um álbum que é mais uma prova de que a banda vai muito além de ativistas a favor da legalização da maconha.
No novo trabalho, constam todas as 15 músicas do anterior, sendo Ainda e Onda forte em novas versões, e mais quatro faixas inéditas. Com destaque para Nunca tenha medo, que tem participação de Posdnuos, ex-integrante do lendário grupo de rap norte-americano De La Soul. “O disco foi nascendo de alguns acasos. Pensamos em lançar um EP, mas a parada eram as músicas que não entraram no disco porque não deu tempo”, explica BNegão, que ainda divide os microfones com Marcelo D2. Pedro Garcia também está na banda. “Não são sobras, são músicas com a potência que tinham que ter, mas por motivos variados não deu tempo de serem lançadas”, complementa.
As músicas tratam de temas variados e mantém não só a linha musical do disco, como também o conceito proposto, que estava principalmente na necessidade dos integrantes de falar sobre o Brasil que os cercava, jogar para fora em lirismo que estava entalado na garganta. “O Planet seguiu gigante sem lançar disco. E quando lançamos, nos colocamos na linha de frente do julgamento implacável. Estávamos em uma posição muito confortável, só com os grandes hits. Lançar coisas novas é dar a cara a tapa, acho isso de uma coragem maravilhosa”, acredita BNegão. “A maior necessidade de fazer esse álbum foi nossa de dar a nossa versão dos fatos”, acrescenta Marcelo D2.
Esperança comedida
Um disco para um Brasil diferente. Essa é a impressão que fica de Jardineiros: a colheita. “A minha vida foi movida pela esperança de um mundo melhor e de uma hora para a outra veio um arrebate, uma porrada que foi governo Bolsonaro. Eles lutavam por um Brasil pior”, critica D2. A versão de 2022 veio carregada da revolta com os quatro anos de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Era um discurso de metralhar ‘petralhas’, caçar LGBTQIAP+, bater nas mulheres e muito mais. No primeiro momento, parecia uma loucura, mas depois caímos na real de que as pessoas realmente apoiavam aquilo”, continua o fundador da banda. “Os tempos mudaram, antes era uma luta de todos nós contra o sistema e agora somos uns contra os outros. Foi muito triste ver um país com um projeto de caos”, conclui.
Marcelo consegue traçar um paralelo entre o lançamento do ano passado e o da semana passada. “Antes, estávamos lutando para não destruir, hoje lutamos para construir. Planet Hemp é uma banda política, nas nossas carreiras solos já somos muito, na banda somos ainda mais”, reflete. “Antes, estávamos entrando na frente das árvores para não serem destruídas, agora temos a oportunidade de plantar novas árvores”, adiciona. “Eu senti para caramba, é muito bom poder falar de problemas normais. Ainda tem muito problema no Brasil, mas naturalmente voltamos para uma discussão mais saudável”, completa.
Todos os integrantes sabem que é um começo apenas. “A gente vive em um momento de otimismo cauteloso”, cunha D2. “A discussão não é mais se a terra é plana ou redonda, voltamos a discussões normais. De legalização da maconha a transporte público. Passamos por momentos muito difíceis nos últimos quatro anos, estamos vendo apenas a pontinha do iceberg com golpe, joias e tudo isso que está rolando”, analisa. “No reflexo da foto tem muita coisa que foi feita e ainda não foi vista”, ironiza Pedro Garcia.
Sempre relevantes
Quando Jardineiro foi lançado em 2022, o principal questionamento levantado era: “como o Brasil sobreviveu mais de 20 anos sem novidades do Planet Hemp?”. BNegão acredita que esse clamor se dá por conversarem de forma diferente com o público. “A gente é uma banda underground que habita o mainstream, toda nossa constituição é underground, som e tudo, mas atingimos o grande público também”, afirma. “A banda sempre foi ultra relevante. Eu lembro lá atrás que eu não sabia nem o que poderia acontecer com a banda, se dava para lançar um disco, se era possível existir uma banda como o Planet e olha o que nos tornamos”, destaca. “Planet tem essa parada atemporal”, finaliza.
Agora é o momento de colher os frutos de todo o trabalho, o que motiva também o nome do novo disco. A atual posição que se encontram possibilita que tudo seja feito com mais calma. “A gente está colhendo com mais parcimônia, o que faz até parte do processo da banda. A gente tem mais cautela, mais controle do nosso tempo, maturidade e os privilégios adquiridos pela nossa trajetória”, explica Marcelo. “Antes, parece que nós colhíamos vitórias em grandes guerras, hoje parece que estamos colhendo apenas pequenas batalhas. É um momento bem diferente dos outros discos, a gente é uma banda consolidada. A gente não precisa mais dar certo, o que tinha que dar certo era fazer um disco bom e relevante”, relata.
Portanto, podem passar mais 20 anos, que o Planet Hemp continuará gigante como é. “O Planet tem história com letras maiúsculas, é importante ser registrada. Que bom que ainda temos essa pressão e relevância até hoje. Em algum lugar, daqui há 40 ou 50 anos, se uma pessoa ouvir um disco nosso, vai ser possível ter uma noção de como era o Brasil na época”, exalta BNegão. “Temos peso e profundidade que são raros e acredito que mantivemos isso com Jardineiros e vamos manter com Jardineiros: a colheita”, encerra.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores.