Com o objetivo de conversar sobre o conceito de raça e a diversidade na qual a sociedade se fundamenta, a fotógrafa Angélica Dass criou o projeto Humanae em 2012. Atualmente, a obra conta com mais de quatro mil imagens, capturadas em 36 cidades de 20 países distintos. Nesta semana, Angélica esteve pela primeira vez em Brasília para fotografar rostos da única cidade brasileira que tem um fragmento de sua obra exposta fixamente. Com a divulgação do SESI Lab, onde a obra está instalada, Angélica convidou 50 pessoas a participar da obra de arte antirracista. O projeto recebeu mais de 200 inscrições em 24 horas.
O trabalho fotográfico em andamento é uma reflexão invulgarmente direta sobre a cor da pele na tentativa de documentar as verdadeiras cores da humanidade em vez das etiquetas: branco, vermelho, preto e amarelo, associadas à raça. A consciência de que a construção social racial recorta diversas pessoas em todo o planeta, as desumanizando, é o enfoque da discussão. "Nós, como humanos, somos muito parecidos, compartilhamos os mesmos ancestrais, somos da mesma espécie. Eu só vou parar quando eu sentir que a cor da minha pele já não me desumaniza. Enquanto desumanizar, esse é um debate que ainda devemos ter na nossa sociedade" observa a fotógrafa.
Para demonstrar que o que define o ser humano é sua inescapável singularidade e, portanto, sua diversidade. Nos painéis Humanae, o fundo de cada retrato é matizado com um tom de cor idêntico a uma amostra de 11 x 11 pixels tirada do nariz do sujeito e emparelhada com a paleta industrial Pantone®, o que, em sua neutralidade, põe em questão as contradições e estereótipos relacionados com a questão racial.
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Criada no Rio de Janeiro e radicada em Madrid há mais de 20 anos, Angélica nasceu em uma família marcada pela diversidade étnica. Seu pai — adotado por quem ela conhece como seus avós — tem um intenso tom de chocolate. A matriarca da família tem pele de porcelana e cabelo de algodão. A cor nunca foi importante dentro da casa de Angélica, mas fora da família as coisas mudaram muito cedo. Angélica explica a sua criação e como sua história brasileira é um dos principais fatores a ter feito ela desenvolver Humanae. "O meu superpoder também é meu ponto mais fraco. Sou afrodescendente, tenho a bagagem de uma história supermiscigenada, muitos privilégios de criação, mas é exatamente por isso que sou odiada", explica Angélica.
Fruto da educação brasileira, a fotógrafa reconhece o impacto que gera em diversos profissionais da educação no país. "Desde fazer as crianças se inspirarem em sala de aula a fazerem autorretratos ou mostrando as fotos e fazendo as crianças se identificarem. Posso não ter o trabalho aqui exposto em museus ou nas ruas, mas eu vivo por essas pessoas que querem fazer a diferença". A artista finaliza com a afirmação de que única razão pela qual ela foi capaz de fazer o Humanae é porque nasceu no Brasil, o último país a abolir escravidão. "O tipo de reflexão e de pensamento só nasce pela nossa necessidade de pensar e viver, do ódio e da reflexão, do acolhimento e do afago", enfatiza.
No Brasil, Humanae passou temporariamente por lugares como São Paulo, Porto Alegre e Rio, mas hoje só se encontra aqui em Brasília, no Museu de Arte, Ciência e Tecnologia: SESI Lab. Em contrapartida, seu trabalho é premiado e reconhecido em todo o mundo, dentro e fora de galerias. Com destaque para o Museu Americano de História Natural de Nova York e a estação mais antiga da França, Gare du Nord.
Ao ver a obra, sem esforço algum, percebe-se tratar sobre cor e antirracismo, e por mais que de forma involuntária, qualquer informação adicionada às pessoas fotografadas, só pertencem aos estereótipos de quem vê. O projeto não seleciona participantes e não há data definida para a sua conclusão. Desde alguém incluído na lista da Forbes, até refugiados que cruzaram o Mar Mediterrâneo, todos constroem o Humanae.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco
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