Pouco mais de 40 anos se passaram desde que os primeiros acordes de guitarra — bem ou mal tocados — ressoaram pelo Lago Norte. Do palco improvisado surgiram nomes que marcaram a história do rock nacional e influenciaram gerações que se seguiram pelos anos 1980, 1990 e, ainda, nos dias de hoje. Após todo esse tempo, pela primeira vez o projeto Rock na Ciclovia sairá do Plano Piloto. A região administrativa escolhida foi a do Sol Nascente, em 5 de agosto, a partir das 13h, e de graça.
Nesta primeira edição fora do Plano Piloto, se apresentarão as bandas Ultra Metade, Intokáveis, Prisão Civil e Barbarella B. Todas são da região de Ceilândia e Taguatinga. Cada banda terá 30 minutos de palco, apresentando músicas próprias e nenhum cover.
De acordo com o curador e membro histórico da principal geração do rock de Brasília Philippe Seabra, líder da Plebe Rude, o objetivo desta fase do Rock na Ciclovia é levar novas bandas autorais por todo o Distrito Federal. “Nunca quis que o evento ficasse restrito apenas ao Plano Piloto. Agora, temos a chance de levar para as cidades o movimento que demos início lá nos anos 1980. Para mim tudo isso é muito importante. As RAs estão carentes do rock. Com pouca estrutura fizemos muito naquela época, porque, mais do que uma mega aparelhagem, o importante é termos boa música sendo tocada.”
Em parceria com a Fecomércio, o projeto quer dar visibilidade às novas bandas, que, mesmo sem espaço nos principais meios de comunicação, nunca deixaram de produzir som de qualidade. “Eu produzi mais de 30 discos e via com bons olhos as novas bandas. Mas percebi que, com o tempo, os espaços para que elas se apresentassem com som autoral começaram a se fechar e foram substituídos por covers. Fica cada vez mais difícil colocar uma música autoral no meio de sucessos já consagrados”, afirma o líder da Plebe Rude.
O Rock na Ciclovia durou ao menos dois anos, segundo Philippe Seabra. Os primeiros registros de bandas, como Capital Inicial, a carreira solo de Renato Russo como Trovador Solitário, e o primeiro registro da Legião Urbana ocorreram no evento. “Estavam inaugurando a ciclovia, que teve apenas uns 800 metros concluídos, por causa do problema da Orla do Lago Paranoá — moradores que residiam às margens do reservatório, por décadas, foram contra pessoas de outras áreas do Distrito Federal frequentarem o ambiente —, problema que só foi ser resolvido uns 35 anos depois. Não tínhamos bons equipamentos, mas, a falta de árvores à época, ajudava muito o som reverberar. Pegamos uma tomada emprestada, era tudo muito precário, mas era mágico”, completa Seabra.
Recomeço
O fato de o gênero está voltando a ser executado ao ar livre pode levar a uma nova onda de popularização. “O rock de Brasília foi um fenômeno diurno. Não existiam casas de show, com tudo sendo feito ao ar livre.”
Para a produtora executiva da empresa Capital do Rock Tata Cavalcante, “a volta do RNC vem da vontade de expandir e democratizar a cultura musical. E com o apoio do Sesc-DF, que tem o mesmo objetivo e valoriza a história do rock de Brasília, surgiu a parceria da fome com a vontade de comer”, conta. “O objetivo é ajudar a promover o trabalho dos compositores de todo o DF, dando mais visibilidade ao rock autoral. E acredito, que como nosso objetivo é fomentar o rock de Brasília, outras possibilidades podem surgir, outras formas de agregar valores ao rock e aos roqueiros da capital.”
A oportunidade é comemorada pelo vocalista e guitarrista da Barbarella B Robson Gomes, que comemora. "Estamos satisfeitos em tocar no festival pelo nome que ele construiu na história do rock de Brasília, revelando bandas como Legião Urbana e Plebe Rude, entre outras que não ficaram tão famosas, mas também foram importantes para formar nossa cultura musical, agora Barbarella B está juntamente com as grandes bandas de Brasília, que passaram pelo Rock na Ciclovia."
Escrever a história
O Rock na Ciclovia foi retomado em 2015, com a apresentação de cerca de 100 bandas, até a paralisação por ocasião da pandemia de covid-19. O eventos se tornou cada vez mais independentes, ao ponto da organização usar equipamentos pessoais do estúdio que Philippe Seabra.
Segundo Tata Cavalcante, o trabalho do grupo, que também tem Seabra como sócio, é dar condições para que o rock continue vivo na capital federal. “O futuro é uma incógnita, assim como foi o estouro do rock nos anos 80 com atitude, vibrações sonoras fortes e revolucionárias que tocaram os corações dos jovens sedentos por inovações e rebeldia. Mas que tocou também o sentimento humano, romântico e libertador como eram as composições dos garotos artistas de Brasília que fizeram história de forma despretensiosa.”
Indústria
Sobre o “momento de baixa” do público nos shows de rock autoral, Philippe Seabra destaca que o problema não está no gosto dos ouvintes ou na qualidade das bandas. O frontman analisa que, parte desse afastamento entre as pessoas e o gênero se dá por ocasião da indústria fonográfica patrocinada. “O rock não toca mais nas rádios, pois elas são compradas pelo agronegócio, que empurram os artistas goela abaixo das pessoas. A Plebe sempre teve esse espírito de projetar para frente, são anos de luta pelo que acreditamos”, destaca. “Sou de uma época que não queríamos tocar cover, pois era uma competição de quem fazia melhor. As pessoas iam aos shows para ouvir aquilo que existia de novo.”
A crítica é ratificada pela produtora executiva do Rock na Ciclovia, que destaca a repetição de padrões nas atuais músicas. “Hoje vemos uma música que vem trazendo canções de sofrência com decepções amorosas e coisas de um cotidiano focado em vida sexual exposta, com traições, sofrimentos, e angústias afogadas em álcool. Além das composições pobres com sonoridade adequadas a atos de sexo erótico e vazio. Acredito que tudo seguirá, cada estilo com sua tribo proporcionando cada vez mais divisão entre pessoas com seus gostos e preferências de estilos musicais.Todos estão em busca de preencher um vazio, querendo alegria e diversão.”
Saiba Mais
Trabalho
Além de projetar novas bandas, a Plebe Rude também continua na estrada. Phelippe conta que, ao final de 2019, dois álbuns, denominados Evolução: volume 1 e 2. Ao todo são 28 músicas inéditas e que mostram que os “veteranos” — que mantém o espírito jovem dos anos 1980 até hoje — ainda tem lenha para queimar. Ainda para este ano, a banda pretende lançar mais um clipe, que está sendo finalizado na Irlanda. “A Plebe sempre foi na contramão de tudo. Em uma era que as pessoas lançam as músicas aos poucos, desde 2019, lançamos dois discos com 28 músicas.”
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