Em fevereiro, quando completou 50 anos da morte de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, veio à tona um projeto que voltava a colocar em evidência o legado de um gênio da cultura nacional, considerado o inventor do que viria a ser chamada de música popular brasileira.
Na verdade, trata-se de uma série, idealizada pelo músico e pesquisador Henrique Cazes, a partir de pesquisas no acervo do Instituto Moreira Salles, que recebeu como título Pixinguinha Como Nunca. Dividida em quatro partes, de acordo com suas características, foram agrupadas em álbuns.
O primeiro, Pixinguinha Virtuose, trouxe músicas tecnicamente mais sofisticadas; e, na sequência, Pixinguinha na Roda, tida como de maior comunicação; Pixinguinha Internacional, composições fora do seu habitat musical. A última delas, Pixinguinha Canção, músicas que tinham vocação para canção, ou seja, para receberem letras.
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"A ideia foi justamente aprofundar o conceito de Pixinguinha Como Nunca, chamando pessoas que nunca foram parceiros de Pixinguinha e que fossem fora do universo mais óbvio com a proximidade da natureza da música do Pixinguinha", comenta Cazes. "Também procuramos diversidade e aí convidamos Arnaldo Antunes, Nei Lopes, Moacyr Luz, Salgado Maranhão, que lidam com universos poéticos diferentes, mas que se encaixavam com os estilos das diferentes melodias", acrescenta.
Ele vai além:"Mesmo se identificando mais com o choro, o mestre mostra nesse disco que é capaz de compor em diversos gêneros, inclusive o tango argentino e a modinha."Foi um trabalho artesanal feito com cada parceiro e os arranjos procuram caracterizar cada caminho seguido, que vai da música afro-brasileira, passando pelo samba maxixado, com letra de Elisa Lucinda, em Implorar; depois pelo samba canção dos anos 1950, Seu modo de olhar, letrado pelo Eduardo Godin, chegando ao partido alto Me leva Neném, com letra de Nei Lopes, entre outras.
Alguns dos letristas também são intérpretes, como João Cavalcanti (Partido alto e Fina locomotiva), Paulinho Moska (A dor traz o presente), Cecília Stanzione (Do tango ao amor). Outros chamaram convidados. Poética, de Arnaldo Antunes, tem Leila Pinheiro como intérprete; Pedro Paulo Malta canta Seu modo de olhar; Ana Costa (Implorar). Marcelo Viana, neto de Pixinguinha, solta a voz em Ignez,com letra de Salgado Maranhão; Me leva neném (Nei Lopes), Choro das recordações (Oswaldo Gusmão), Hino do Gouveia e Copo e bola (Moacyr Luz) e pot-pourri.
Entrevista - Marcelo Viana
Desde o início do projeto, você e o Henrique Cazes já imaginavam produzir um disco em que composições inéditas de Pixinguinha recebessem letras?
Sim. Eu e ele, atentos e observadores dessa obra, sempre soubemos disso. Eu lancei em 2002, o meu primeiro disco, Teu Nome, Pixinguinha, onde trazia músicas letradas pelo Paulo Cesar Pinheiro. Nesse trabalho, ficou claro que apesar da extensão das melodias, era possível esse flerte com os poetas. Essa questão sempre me acompanhou, desde o início da minha escuta ao repertório do meu avô. Eu sabia que quando abrisse as inéditas haveria a possibilidade real das letras. O trabalho de pesquisa do IMS (Instituto Moreira Salles) foi decisivo e nos deu segurança para essa realização.
Qual é a sensação de ouvir músicas composta por seu avô, há tanto tempo, agora sendo cantadas?
A sensação é maravilhosa! Eu cresci musicalmente escutando esse acervo e imaginando fazer isso. Cada melodia revelada desse gênio acelerava o coração nessa direção. É possível. O que prova a atemporalidade dessas músicas.
Foi sua a escolha dos letristas?
Essa escolha se deu naturalmente e em harmonia com o Cazes. Ora eu, ora ele, sempre com o olhar aberto, trazendo poetas e poetisas de mundos diferentes, mas com a referência do amor. Pixinguinha fala de amor em suas canções.
Que avaliação faz do resultado?
Deu certo! Conseguimos contribuir, cada um com o seu talento e percepção, para que essas músicas fossem reveladas com o DNA do Pixinguinha. Ao ouvir, temos a sensação de que já conhecemos essas melodias. Somos filhos musicais do Pixinguinha. É bonito identificar esses filhos nesse grande elenco de músicos que tocaram essas melodias. E no público também que nos shows entendeu isso.
Entre elas quais mais se aproximaram da proposta?
Eu acho que todas. (risos).
Porque decidiu interpretar a maioria das canções?
Aconteceu naturalmente. É um conjunto de fatores. Cantei nos shows, na medida em que elas ficavam prontas, afinidade, tempo, agenda e também por uma questão prática de produção.
Acredita que pessoas mais jovens irão assimilar esse repertório?
A ideia é essa, atualizar as modernidades de Pixinguinha.