As tradições partiram de movimentos, de expressões artísticas, mas, antes disso tudo, partiram de pessoas. Marcelo D2, conhecido como rapper, começou a carreira no punk rock e hardcore do Planet Hemp e chegou a regravar Bezerra da Silva No entanto, agora, abraçou de vez o samba e projeta a criação de um novo samba tradicional com o lançamento do álbum Iboru.
Iboru, um termo que traduzido livremente do Yorubá significa "que sejam ouvidas nossas súplicas", é completamente de samba e é apenas uma confirmação do que todos já sabiam, Marcelo D2 é sambista. "Não é uma surpresa para ninguém eu fazer um disco de samba, era até meio cobrado pela galera, principalmente por taxistas", brinca Marcelo, em entrevista ao Correio. O músico conta que sempre andou lado a lado com o gênero por escrever um rap que conversava com os temas dos subúrbios cariocas, berços do samba. "A maioria dos sambistas sente o meu amor e carinho pelo samba. Muitos deles falam para mim: 'meu irmão, tu é sambista. Para com esse papo de que você é rapper'. Do Arlindo Cruz lá em 1997 quando o conheci, até os mais novos da atualidade, todos falam que sou sambista", afirma.
Para que fosse viável um disco de samba era necessário D2 entender a qual samba pertencia a ele. "Eu não queria fazer um disco de samba igual o do Zeca Pagodinho, ou do Arlindo. Eu queria fazer o meu samba e acredito que encontrei esse samba, ele estava escondido em algum lugar e apareceu para mim agora", conta o músico, que explica como montou o álbum. "Acho que Iboru tem três atos, mas não de propósito, percebi só quando ouvi o disco. As quatro primeiras faixas são o primeiro ato e representam o que chamo de novo samba tradicional, a minha forma de escrever samba com as facetas e manhas do rap. No segundo ato, mergulho para um samba atonal e experimental com a ajuda do Kiko Dinucci com três músicas mais tradicionais e profundas. E o terceiro é o popular com Zeca, Alcione e Mumuzinho."
Contudo, não é porque é algo novo que Marcelo D2 negou o antigo. "Para esse disco, eu precisava do aval dessa galera, se não nem era válido. Artistas como Zeca Pagodinho, a Alcione e Xande de Pilares precisavam estar do meu lado nessa", conta D2. "O Iboru, para mim, é a raiz de um movimento artístico meu, mas que eu quero movimentar muita gente nova e das antigas do samba. Do Vini ao Jorge Aragão, passando pelos produtores, também passando de Leandro Sapucaí ao seu Rildo Hora", acrescenta.
Para ter uma noção de movimento, Marcelo buscou no Cacique de Ramos a inspiração. Um agrupamento de jovens e carnavalescos que em 1961 começou a fazer samba e eventos. As rodas do Cacique foram expostas ao mundo por Beth Carvalho e nomes como Jorge Aragão e Arlindo Cruz foram revelados. "O cavaquinista e produtor Rodrigo Campos fala uma coisa que eu acho muito interessante. Ele fala que o movimento do Cacique de Ramos é tão importante para cultura brasileira quanto Bossa Nova e a Tropicália. Ele só não é reconhecido porque é um movimento suburbano e preto", aponta Marcelo.
É essa ideia de vanguarda que ele quer trazer para o novo samba tradicional brasileiro, trocar o surdo pela bateria eletrônica 808, colocar samples de rap e pensar samba como faz hip-hop. "Para mim, o movimento que rolou no Cacique de Ramos é super de vanguarda. Adaptando tomtom de bateria para virar repique, fazendo tantam para ser mais fácil de carregar do que um surdo. Para mim, isso sempre foi a frente do tempo", analisa o artista. "O que eu estou fazendo aqui não é diferente do que eles fizeram lá atrás. Estou adaptando as minhas realidades ao samba", explica. "Eu não estou procurando minha roda de samba, o Cacique já fez isso. Minha parada é samplear, ter o cuidado de fazer os arranjos como eu faço os de rap, usar os efeitos de voz que sempre fiz", completa.
Para além de um movimento, Iboru é um álbum sobre o tempo e a união. O tempo por caminhar entre presente, passado e futuro. "O [Luiz Antônio] Simas fala que Iboru é um disco sobre o tempo. Ele fala que o meu disco é como aquela pedra que Exu joga, quanto mais o braço vai para trás, mais longe a pedra chega. Uma flecha, quanto mais puxa para ancestralidade, mais ela alcança o futuro", pontua D2. O lado da união está na alegria e no abraço que só o retorno do samba a quem o fez é capaz. "Eu tenho a vontade um patriota do subúrbio do Rio e não de Miami, não de camisa da CBF, mas com a camisa do Bangu ou do América. Eu tenho orgulho de ser suburbano", clama.
Porém, o que importa para Marcelo, é o apoio que tem recebido nesse novo processo. "Eu acho que eu apostei forte. Quando eu falei que eu ia procurar um novo samba tradicional todo mundo olhou para mim com aquela cara de: 'você está de sacanagem, né irmão'", lembra o músico que, apesar de parecer, nunca se sentiu desacreditado. "Quando Planet Hemp estava no auge, parei com o Planet Hemp para fazer carreira solo, eu sempre estive mudando. Para mim ver que tenho suporte é muito importante e emocionante. Porque o meu papel aqui como artista é mudar, as pessoas esperavam isso de mim", diz. "A galera está feliz de eu estar fazendo samba, vejo pelos comentários nas redes sociais. Parece que as pessoas precisavam de algo que elas nem sabiam", conclui.
Além da música
O fator do senso estético é o que chama atenção no trabalho de Marcelo D2 como um todo, o rapper e sambista é um dos mais apurados da cena que pertence há anos. "Eu sempre fui muito visual, sempre gostei desse lado", relata. "Eu entrei no punk rock porque eu achava maneiro o visual, entrei no rap pelo mesmo motivo, achava irado os caras usando bonés do Los Angeles Raiders", complementa.
No entanto, uma pessoa foi crucial para a virada de chave, a companheira de longa data do artista, Luiza Machado. Juntos eles são sócios da produtora de filmes Pupila Dilatada e foi ela que apresentou muito do que hoje Marcelo tem como referência. "Eu tenho uma parceira incrível nesses últimos anos, a Luiza. Desde a influência dela para eu ouvir Metá Metá, de quem ela é fã até o senso estético que hoje eu apresento", exalta. "O meu encontro com a Luiza tem uma porção de quereres juntos", adiciona.
Juntos eles pretendem fazer algo novo no Iboru. "Além da vontade de ter uma estética bonita, a gente percebeu que para nos conectarmos com uma nova geração, a gente precisa muito de senso estético. Precisamos chamar atenção, ter um novo olhar", o resultado ultrapassa o musical. "Estamos propondo escrever o samba tradicional em fotos, em artes plásticas, em moda, para muito mais do que só música", exemplifica D2, que promete ainda mais."Esse projeto do Iboru é mais do que só um disco. Além da música, tem um filme sobre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana, uma parte de moda e uma parte de artes plásticas."
Ele quer dividir o que crê com o público. "É quase um lugar sagrado, eu percebi que sou um cara de fé. Tenho fé no Brasil há 30 anos, tenho fé na música, na amizade, no amor e outra porrada de coisas. Se ser um cara de fé é isso, eu sou", clama Marcelo, que deixa as expectativas altas. "Vocês não viram ainda nada, o que está vindo por aí está muito legal", finaliza.
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