CULTURA

Brasília no centro das atenções em festival de cinema de Portugal

Dois filmes que têm a capital do Brasil como cenário chamam a atenção do público, um sobre a resistência de livreiros, outro sobre a contribuição da UnB para o fortalecimento da cinematografia brasileira

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 07/07/2023 12:20 / atualizado em 07/07/2023 16:51
 (crédito: Reprodução do documentário)
(crédito: Reprodução do documentário)

Lisboa — Aos 63 anos, Brasília ainda é uma desconhecida para boa parte dos portugueses e dos estrangeiros que vivem em Portugal. Não por acaso, cada cena mostrando a capital do país provoca tanta surpresa e encantamento no público que vem lotando as salas de cinema de Lisboa para acompanhar o Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (Festin), que está na sua 14ª edição e se encerra nesta sexta-feira (7/7). Brasília está presente em dois dos concorrentes a melhor filme: Profissão Livreiro, de Pedro Lacerda, e Confissões de um cinema em formação, de Eugênio Puppo.

Uma das idealizadoras do festival, a jornalista Adriana Niemeyer conta que a seleção dos filmes neste ano foi difícil, tamanha a qualidade das películas, que primaram pela criatividade para superar a falta de apoio governamental nos últimos quatro anos. “São temas muito diversos, que tratam do racismo, da gordofobia, da importância da cultura, da invasão de terras indígenas e de tantas outras polêmicas presentes na nossa sociedade”, diz. Para ela, essa resistência do cinema, sobretudo o brasileiro — 90% dos filmes exibidos foram produzidos no Brasil —, reforça a confiança de que o setor está vivo e cheio de energia.

Profissão livreiro conta a história de Ivan Presença, dono da falida Livraria Presença de Brasília, que guarda em sua casa mais de 110 mil livros amontoados em dois galpões que ele construiu no lote em que mora. Do outro lado da cidade, vive Chiquinho Livreiro, que há mais de 45 anos vende livros nos corredores da Universidade de Brasília (UnB). Ambos foram devastados pelos novos modelos de negócios no mercado literário, que passa pela adoção de tecnologias que estão substituindo os livros físicos e pela questão ambiental, com a derrubada de árvores para a impressão dos exemplares. Duas questões se colocam no documentário: “Haverá livros de papel no futuro? É contemporâneo derrubar áreas para publicar livros?”.

Em Confissões de um cinema em formação, Puppo revela histórias do surgimento dos primeiros cursos de cinema no Brasil e o papel deles para o desenvolvimento da cinematografia nacional. Com relatos de professores e alunos desses movimentos pioneiros — inclusive, da Universidade de Brasília —, além de um vasto material de arquivo, o filme apresenta iniciativas que permitiram driblar problemas financeiros e políticos para garantir a sobrevivência do cinema para tantas gerações. É, sem dúvidas, um retrato fundamental para reforçar o quanto a cultura no Brasil é resiliente e não se curva a governantes de plantão.

Na avaliação de Adriana o cinema é uma das melhores ferramentas que um país pode dispor para disseminar sua cultura, e festivais como o que se realiza em Lisboa são instrumentos importantes para replicar essa cultura mundo afora. Ela acredita que, com o atual governo do Brasil, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) voltará a ser uma grande fonte de apoio a produtores, diretores e artistas para futuras realizações. “É importante, também, que o setor privado se engaje nesse processo, pois a população está ávida por cultura. As empresas precisam entender que apoiar todo tipo de arte é fundamental para o desenvolvimento de qualquer país”, afirma. “Tem a questão de imagem, mas há também a questão de cidadania.”

A ânsia do público por filmes de qualidade se reflete na presença recorde nas salas de exibição. “Somente no filme de abertura, Fogaréu (que se passa na cidade de Goiás Velho e é um soco no estômago), foram mais de 600 pessoas, e isso se repetiu todos os dias, com uma plateia diversificada, de crianças, jovens, adultos e idosos”, relata a diretora do Festin. “E isso porque estamos no verão, competindo com outros festivais, a praia, as festas de santos e, claro, com os streamings”, complementa. Para ela, passada a pandemia, as pessoas não querem mais ver só filmes na televisão e no computador, querem voltar a viver a magia de uma sala escura, em que histórias bem contadas tiram todos por algumas horas da crueza da realidade.

Adriana antecipa que, em 2024, quando o Festin completará 15 anos, começará uma nova etapa do festival, que passará a funcionar, também, como distribuidor de filmes. Hoje, os streamings compram películas direto dos produtores, muitas vezes em condições não tão favoráveis. “Vamos entrar nesse mercado de distribuição, que está crescendo muito”, ressalta. O objetivo é garantir boas condições para aqueles que lutam para manter o cinema de pé.

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