OBITUÁRIO

Zé Celso lutou contra a ditadura e criticou governo Bolsonaro: "Imbecil"

Alvo de censura, o dramaturgo era acusado pelos militares de usar o teatro como "arma ideológica" para combater os bons costumes. Zé Celso é lembrado como símbolo de resistência

Aline Gouveia
postado em 06/07/2023 11:55 / atualizado em 06/07/2023 11:58
 (crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press)

O dramaturgo Zé Celso, que morreu nesta quinta-feira (6/7), teve uma vida de amplo ativismo político. Em 1974, na ditadura militar, ele foi detido e exilado. O artista foi morar em Portugal e só retornou ao Brasil em 1979. Em terras portuguesas, ele produziu o filme O parto, inspirado na Revolução dos Cravos, que pôs fim aos 41 anos de ditadura salazarista. Dono de textos revolucionários, o dramaturgo criou o Teatro Oficina, entre as décadas de 1960 e 1970, atuando como uma forma de resistência ao período repressivo que o país atravessava.

O portal Memórias da Ditadura, do Instituto Vladimir Herzog, destaca que o Teatro Oficina, liderado por Zé Celso, subverteu a relação palco-plateia ao procurar romper a "passividade" do público. "Primeiramente, a intenção é romper com a passividade do público para, num segundo momento, provocá-lo, de maneira até agressiva, de modo que a plateia acabe desenvolvendo uma posição atuante na criação da cena", diz.

Alvo de censura, a ditadura militar afirmava que Zé Celso combatia, "constante e audaciosamente", os conceitos políticos e morais do Brasil na época."Usando o teatro como poderosa arma ideológica de dissolução de bons costumes, dirige sempre o movimento, objetivando disseminar as doutrinas marxistas leninistas, através de cuidadosa montagem e escolha de textos das peças", diz um documento do Ministério da Justiça, datado de outubro de 1974.

"Imbecil", disse Zé Celso sobre governo Bolsonaro

Em 2019, Zé Celso lançou críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ao ser indagado sobre a área cultural no Brasil após a eleição do capitão reformado. "Muito pior agora. Fui até torturado no regime militar, mas agora é muito pior. A cultura estava ótima, inclusive. Foi no período militar que surgiu a Tropicália, Rei da Vela, Terra em Transe, Hélio Oiticica, Caetano", contou o artista, em entrevista ao Brasil de Fato.

O artista também comentou que a democracia estava ameaçada em 2019 com a chegada de Bolsonaro ao poder. "Diante do movimento de oposição, dos jornalistas, dos artistas de teatro, de cinema, de música, da grande arte popular brasileira, tudo isso dá uma força enorme agora, porque a maioria do povo brasileiro, inclusive talvez os que votaram nele, agora estão vendo o que acontece", afirmou Zé Celso.

"Não tem pé nem cabeça, esse governo. Não é um governo de direita moderna, mas de direita arcaica. Botar a embaixada em Jerusalém, esse alinhamento com Trump, que está para ter um impeachment. É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo", continuou o dramaturgo.

 

Documento da ditadura, em 1974, sobre o dramaturgo Zé Celso
Documento da ditadura, em 1974, sobre o dramaturgo Zé Celso (foto: Reprodução/Documentos revelados)

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou do legado de resistência de Zé Celso durante o período de repressão estatal. "Quanto mais o regime endurecia, mais Zé Celso radicalizava. Na longa noite da ditadura militar iniciada em 1964, José Celso Martinez Corrêa foi um farol imenso, à frente do Teatro Oficina, com suas encenações irreverentes e iconoclastas de textos 'clássicos e malditos' - e mesmo depois. Pequenos Burgueses, O Rei da Vela, As Bacantes, Os Sertões… ao longo de toda a vida, Zé Celso nunca perdeu o olhar provocador e antropofágico", destacou a parlamentar.

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