A parceria entre Rosa Passos e Lula Galvão já dura quase 40 anos. Em 1984, eles tiveram o primeiro encontro no palco do Degraus, um barzinho que existia na 302 Norte. Ali, em shows, eles interpretavam canções de nomes consagrados da MPB, como Tom Jobim, Milton Nascimento, Elis Regina, Djavan e João Bosco.
Lula guarda na memória aqueles momentos. "O barzinho foi uma grande escola tanto para Rosa quanto para mim. Imediatamente, houve uma empatia, que possibilitou estarmos juntos em vários outros trabalhos. Um dos primeiros foi o Projeto Pixinguinha, pelo qual nos apresentamos em capitais do litoral nordestino, ao lado de Zezé Motta", lembra.
Desde então, a cantora e compositora baiana e o instrumentista e arranjador brasiliense estiveram juntos em nada menos que 14 discos. "Minha carreira está diretamente ligada a Rosa", ressalta. "Realizei o sonho de gravar com Ron Carter (baixista norte-americano), em um álbum que ela fez com ele", acrescenta.
Mas o CD intitulado Rosa Passos e Lula Galvão é o primeiro gravado somente pelos dois. O LP, lançado pela Biscoito Fino, acaba de chegar às plataformas digitais, trazendo 10 faixas. O repertório faz uma espécie de resgate do repertório da época em que eles se dividiam entre o Degraus e o Amigos — outra casa noturna onde se apresentavam, na 105 Norte.
"Os shows em bares, naquele período, foram determinantes para que eu conseguisse adquirir experiência de palco, cantando músicas de compositores, pelos quais tinha admiração, acompanhada por Lula Galvão (violão), Jorge Helder (baixo), Erivelto Silva (bateria) e Zé Antônio (piano)", lembra Rosa.
O setlist reúne clássicos de diferentes estilos da música popular brasileira, além de Outono e Verão, composições de Rosa Passos e Fernando de Oliveira, e a instrumental Piatã, de Lula Galvão. Na abertura, ouve-se Folhas secas (Nelson Cavaquinho e Guilherme Brito).
Em seguida, há Ilusão à toa (Johnny Alf), De conversa em conversa (Lúcio Alves e Haroldo Barbosa), Palhaço, mais uma de Nelson Cavaquinho, na qual tem como parceiro Oswaldo Martins e Washington Fernandes; Cansei de ilusões (Tito Madi), Doce de coco (Jacob de Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) e Conversa de botequim (Noel Rosa Vadico).
Segundo Rosa Passos, dos 22 discos que lançou, Lula Galvão participou de 19, tocando ou fazendo arranjos. "A ideia de gravar esse disco, o primeiro só com Lula, surgiu no começo de 2022. Na medida em que escolhia cada música, conversava com ele, que em seguida criava o arranjo", conta a cantora. A seleção das 10 canções saiu depois da peneira de 30 pré-selecionadas
"A primeira foi Folha seca, de Nelson Cavaquinho. O choro Doce de coco, de Jacob do Bandolim, com letra de Hermínio Bello de Carvalho, que sempre gostei de ouvir, quis gravar com uma levada de bossa nova, pensando em Joãozinho (João Gilberto), uma inspiração para a realização desse projeto", conta Rosa.
Feliz com a inclusão de Doce de coco no repertório, Hermínio Belo de Carvalho observa: "Ouvindo e reouvindo não sei quantas vezes a linda versão desse choro, letrado por mim, parece que vejo o grande chorão (Jacob do Bandolim), em seu estúdio caseiro, acompanhando em seu instrumento a gravação da cantora e exclamando lindo, lindo".
Para o poeta e letrista, esse projeto é mais que um disco de voz e violão. "É um trabalho artesanal, no qual Lula Galvão se assemelha a um jardineiro-escultor, tecendo tramas belíssimas em seu instrumento, para que Rosa Passos possa atravessar, com tranquilidade, esse vasto jardim encharcado de beleza". A capa foi criada pelo artista plástico/gráfico e escritor Mello Menezes.