O escritor e jornalista Ricardo Viveiros garante que nem só de sombras é feito o livro Memórias de um tempo obscuro, publicado pela editora Contexto. O livro reúne 86 crônicas publicadas nos últimos cinco anos em jornais como Folha de S. Paulo e Estado de São Paulo. São textos que refletem sobre os rumos políticos, econômicos e sociais do Brasil desde a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência do país, em 2018, até a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, no ano passado.
Carioca radicado em São Paulo, Viveiros se dedica a analisar o contexto brasileiro a partir de diversas perspectivas. "Tem todo tipo de assunto. Você vai dar risada, descobrir coisas, ficar emocionada, são textos que levam a entender tudo o que vivemos. Costumo dizer que esse livro não é meu, é de todo brasileiro que estava no país nos últimos cinco anos", avisa. "São temas da atualidade, não necessariamente política, mas também economia, sociedade, saúde, educação, etc."
Desde a eleição de Bolsonaro, o jornalista e escritor, que tem mais de 54 livros publicados, dedica-se a observar e refletir sobre a realidade recente brasileira. "Fui analisando o que estava acontecendo, porque foi uma coisa diferente e surpreendente, que defino até como bizarra, tudo que vem acontecendo desde então", explica. "E não só na política, mas que acabou coincidindo com problemas na economia que deixaram 32 milhões de brasileiros abaixo da pobreza, problemas como a pandemia, a violência, o relacionamento com outros países."
Viveiros avalia que, nos últimos cinco anos, o Brasil conseguiu mergulhar num cenário no qual nunca havia patinado antes. "Um clima de ódio, família dividida, todo mundo dividido, então surgiu um novo cenário, uma realidade absolutamente desconhecida para um povo considerado pacífico, tranquilo, ordeiro, trabalhador. Esses artigos registram os acontecimentos daquela época fora da emoção de momento", diz. Muitos dos artigos foram revisados e dados indisponíveis no momento em que foram escritos acabaram incorporados.
O distanciamento, acredita o autor, permitiu mais tranquilidade para aprofundar as reflexões. Segundo ele, agora é possível propor mudanças e acender um alerta para o surgimento de riscos nas áreas econômica, política e social. "Uma coisa que se observou é que no mundo, e não só no Brasil, surgiu um tipo raro de 'democracia' não participativa, autocrática", aponta o autor. "Embora o governante seja eleito pelo voto livre, direto secreto, essa democracia é violenta, agressiva, golpista. É uma democracia que ignora que a imprensa existe para governados e não para governantes, e que a liberdade de expressão implica em responsabilidade de expressão."
Para ele, o que ocorreu nos últimos cinco anos foi bizarro e atípico. O negacionismo científico, as decisões que levaram a milhares de mortes durante a pandemia de covid-19, os arroubos autoritários, a forte presença militar na Esplanada dos Ministérios e outros comportamentos por parte do governo fragilizaram a democracia brasileira. Mas Viveiros consegue enxergar aspectos positivos nos fatos recentes. Para ele, a sociedade brasileira aprendeu um pouco mais sobre a coletividade e as relações de respeito durante a pandemia. "A gente aprendeu com o sofrimento", garante.