Teatro

Espetáculo reacende a figura de Dercy Gonçalves, morta há 15 anos

'Nasci pra ser Dercy', em cartaz entre 3 e 4/6, traz Grace Gianoukas no palco, revivendo a figura da atriz e humorista

Há 15 anos, uma mulher centenária, divertida e revolucionária deixou a vida na Terra: Dercy Gonçalves. Num palco, uma esforçada atriz, na ficção, que atende por Vera se prepara para dar vida ao personagem Dercy, num longa-metragem. Os bastidores e a exposição de um pleno domínio sobre a vida de Dercy Gonçalves compõem o intuito do espetáculo Nasci pra ser Dercy, estrelado pela atriz gaúcha Grace Gianoukas, que assume um texto (do também diretor Kiko Rieser). O espetáculo está em Brasília, em temporada deste fim de semana (3 e 4/6) no Teatro Unip.

"Quem a vive a ilusão de que Dercy era só uma atriz que falava muito palavrão, se contenta com pouco. É da mesma maneira daqueles que olham para o Zé Bonitinho e não percebem que tem um ator, com uma vida e uma inteligência absoluta, atrás daquele personagem", comenta Grace, em entrevista ao Correio.

Com direito a preparação vocal junto ao experiente André Checchia, Grace enumera as qualidades de Dercy: ela era uma mulher brilhante, corajosa, "extremamente loquaz para sua época", como aponta. O espetáculo encerra a ideia que Dercy era uma grande observadora da realidade. "Há, nela, qualidades únicas, junto com a originalidade e a persona. Dercy tem a qualidade do inesquecível, do arrebatador — daquilo que ela era em cena", sublinha Grace Gianoukas.

Entrevista // Grace Gianoukas

Qual a maior bandeira levantada pelo espetáculo Nasci pra ser Dercy

A principal bandeira que o espetáculo levanta, sem dúvida, é a bandeira que Dercy levantou considerando que ela foi uma pessoa que nasceu em 1907: a bandeira da liberdade de a gente ser quem a gente é. Haver espaço para a gente florescer como ser humano, com criatividade e originalidade. Ela trouxe a bandeira da alegria e do riso como forma de cura, como combustível para a gente sobreviver aos tempos difíceis. Essa é a maior bandeira do espetáculo.

O quanto Dercy te influenciou na carreira?

Eu não sabia até começar a ensaiar esse espetáculo, e me aprofundar, e estudar um pouco mais da Dercy, o quanto ela influenciou a mim e a todos os comediantes brasileiros. Porque se existe um estilo brasileiro de se fazer comédia, uma maneira com jogo de cintura, com malemolência, quem instalou e isso foi a Dercy. Descobri depois que eu comecei a estudá-la. Ela me influenciou totalmente e a todos nós, independente e se ter consciência ou não, que trabalhamos com comédia, bebemos na fonte da Dercy.

Você canta, em cena. Quais os grandes desafios do personagem? 

Como eu canto no espetáculo, e já cantei em outros, existiu uma coisa específica para a preparação. Queria chegar num tom possível dessas músicas que são as usadas em cena: há um tom antigo, de embocadura, de impostação de voz um pouco mais antiga. Fui preparada por um doutor em música. Na construção da personagem, antes de buscar o estereótipo dela, fui buscar a Dolores Gonçalves Costa — porque eu não queria, de forma nenhuma, criar uma caricatura: eu queria a humanidade da Dolores Gonçalves Costa. Fui buscar, fui assistir a muitas entrevistas que ela deu, e em vários momentos da carreira. A figura de Dercy Gonçalves dos filmes, das comédias e da tevê, a gente já conhece. Fui procurar a Dolores, quando ela está pensando, quando ela fala de alguma dor, busquei pessoas com quem ela conviveu, perguntei como ela era fora do palco, nos bastidores. Conversei com muitas pessoas como produtores que trabalharam com ela e com atrizes como a Italla Nandi, a Norma Blumm. Busquei, acima de tudo, uma humanidade profunda da Dolores Gonçalves Costa: a Dercy foi construída como um escudo protetor para essa pessoa tão sensível, contadas as experiências delicadas na vida e tantas incompreensões. Esse foi meu projeto. Claro: eu estudei a Dercy das entrevistas, a maneira como ela se move, na minha pesquisa, vi como ela tocava nas roupas, como ela se movia. Botei foco nisso.

Qual a sensação que tem quanto ao tratamento do legado dela, hoje em dia?

Eu acho que o Brasil é um país que tem um grande problema de memória. Apesar de fazer 15 anos que ela partiu, e de ela estar na memória de muitas e muitas pessoas, principalmente do pessoal que tem entre 30 e 35 anos; mas as novas gerações não têm a menor ideia de quem ela foi. Como se diz no espetáculo, acham que ela foi só uma velha louca que falava palavrão: ela foi muito mais do que isso. Ela é mais importante: ajuda a gente a entender para onde a gente vai como sociedade. A gente tem que saber de onde veio para saber da história do Brasil: não só da história sócio-política, mas a história cultural e artística guardam as lutas das pessoas que vieram antes de nós. Para estar onde estamos é fundamental. Dercy é importantíssima não só para comédia, mas para o teatro brasileiro, para a maneira e o estilo brasileiro de se interpretar. Mas, acima de tudo, ela deu muitos pontapés nas portas pela liberdade feminina, e a gente deve muito para ela. É fundamental que ninguém se esqueça disso: porque não existem gerações espontâneas. Tudo é uma corrente e uma luta, e é muito sério, apesar de se tratar de uma grande comédia, haver o sério compromisso, ao interpretá-la.

Nasci pra ser Dercy

Teatro Unip (SGAS Quadra 913 Conj. B - SHCS) Dias 3 a 4 de junho. Sábado às 20h e domingo, às 17h e 19h. Plateia: R$ 120 (inteira) e R$ 80 (ingresso solidário, pela doação de um quilo de alimento). Plateia popular: R$ 50 (inteira). Pelo Clube dos Assinantes do Correio Braziliense, ingressos a 50% do valor da inteira. Duração do espetáculo: 80 min. Não recomendado para menores de 14 anos. Pelo projeto Circuito de Teatro Brasileiro.