Explorar as conexões possíveis entre o pensamento de um artista do século 19 e de seus colegas dos tempos atuais era um dos objetivos do programa de residências criado pela fábrica portuguesa de cerâmicas Bordallo Pinheiro. Parte do resultado está na exposição Coleção de Arte Bordallo Pinheiro - Diálogo entre artistas contemporâneos e o universo bordalliano, em cartaz no Instituto Camões.
No total, 15 artistas brasileiros contemporâneos foram convidados a passar 10 dias na fábrica, em Caldas da Rainha, em Portugal, para produzir obras que dialogassem com a produção do artista que dá nome ao local. Jornalista, caricaturista e artista plástico especializado em cerâmica, Raphael Bordallo Pinheiro ficou conhecido por criar o personagem Zé Povinho na revista ilustrada A lanterna mágica, em 1872, e por fundar o jornal de humor O Antonio Maria. Também era um artista naturalista, que estudou na Academia de Belas Artes de Lisboa e fez parte de um grupo conhecido como a geração de 1870.
Em 1884, Bordallo Pinheiro fundou a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha para dar conta da própria produção de cerâmica. Ao longo do tempo, depois de mudar de mãos algumas vezes, a fábrica acabou por ganhar nome no mundo das faianças e hoje é conhecida por produzir louças e objetos para casa. "Essa fábrica e essa obra do Bordallo ficou quase como uma identidade cultural de Portugal, são obras que marcaram a história", explica Renata Lima, curadora responsável pela residência e pela exposição no Instituto Camões. "E a fábrica foi sobrevivendo, mudando de mãos, até que, em 2008, foi para um grupo grande do norte de Portugal que quis retomar a vocação de criação de trabalhos artísticos, então foram feitos convites para residências."
Entre os brasileiros que participaram das primeiras residências e cujas obras integram a exposição estão Tunga, morto em 2016, Barrão, Marcos Chaves, Regina Silveira, Maria Bonomi, Angelo Venosa, Maria Lynch, Antonio Carlos Auad e Thiago Carneiro da Cunha. Durante 10 dias, eles fizeram uma imersão na fábrica e na obra de Bordallo Pinheiro. A maioria nunca havia trabalhado com a técnica da cerâmica. "O segundo momento da residência é aprender a trabalhar com cerâmica e o último momento é criar uma obra que seja um diálogo entre a obra do artista e a do Bordallo", explica Renata. Depois de prontas, as obras são produzidas e lançadas no mercado em múltiplos, com tiragem limitada. Para cada obra, o artista faz um texto e tem as mais diversas leituras. "E não tem nenhuma obra que se identifique com outra", avisa a curadora.
Entre os trabalhos produzidos, estão a escultura de uma onda que explora a relação entre a natureza e o homem, de Antonio Caros Auad, uma caixa de correio antiga transformada em orelha gigante por Marcos Chaves e uma sopeira na qual Regina Silveira brinca com efeitos de sombra a partir das imagens de sapos e de uma mão. Segundo a curadora, a obra de Barrão é a mais irônica: a terrina de Noé em forma de couve e cheia de bichos aninhados. "A gente queria artistas que tivessem uma história consolidada no mundo da arte brasileira e com essa novidade de poder fazer um trabalho em Portugal com uma técnica, para a maioria, inovadora", conta a curadora. Depois que a coleção começou a ser divulgada, ela explica, as residências passaram a ser procuradas por artistas do mundo inteiro e hoje há uma fila de espera para integrar o programa.
Serviço
Coleção de Arte Bordallo Pinheiro - Diálogo entre artistas contemporâneos e o universo bordalliano
Visitação até 30 de junho, de segunda a sexta-feira, das 12h às 17h, no no Instituto Camões (Embaixada de Portugal, SES Av. das Nações, Quadra 801, Lote 2)
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