Roger Mello levou uma década para escrever Espinho de arraia, um livro encantado sobre oito irmãos que encontram um espinho de arraia e especulam sobre a possibilidade de uma cidade perdida no fundo do rio. Nessa cidade, ninguém precisava de ar para respirar, tudo funcionava mais ou menos como no mundo dos peixes. E, aliás, é até possível, na história narrada por um dos irmãos, que todos sejam filhos de aruanã, o peixe-macaco. Pai e mãe, segundo o pequeno narrador, eram, na verdade, irmãos que assumiram os papéis de criar os meninos, devidamente engolidos pelo peixe.
A linguagem usada pelo autor é cheia de magia e referências amazônicas. Peixes, macacos e tartarugas fazem parte de um universo no qual tudo é símbolo e a mentira, personagem. "É um livro sobre uma região específica do bioma amazônico, mas também tem algumas outras texturas, às vezes é uma parte de Nau Catarineta, tem um pouco do ambiente do Meninos do mangue, aparece com uma perna faltando em referência ao soldadinho de chumbo. Tá cheio de códigos que foram se fazendo naturalmente", explica o autor.
A história é inteiramente conduzida pelo diálogo em torno do sumiço de um dos irmãos. "Esse menino que se perde, para mim, tem três planos narrativos: o de narrar o que aconteceu, o de inventar e o plano do delírio, que talvez seja o mais forte", enfatiza o autor. "É uma história de origem, que fala de um surgimento filosófico do humano procurando uma raiz amazônica e usando menos referenciais eurocêntricos." A eliminação do narrador e o ritmo dos diálogos aproxima o livro do teatro, assim como a diagramação e as ilustrações pensadas em detalhe por Roger Mello. Uma capa dura se estende par além do miolo e os desenhos lembram colagens. A arraia é elemento sempre presente e fascina os personagens.
O espinho contido no rabo desse peixe pode ser extremamente venenoso e até letal. "Eu quase sempre arranjo um jeito de colocar uma arraia nos livros que faço, é como uma assinatura. É um bicho tão plástico, vem no formato certo. Ela tem essa característica de ser um elemento gráfico muito provocante e tem a questão do perigo. E é uma realidade forte na Amazônia, de sair andando tentando vibrar o pé para que a arraia saia e não se pise nela", explica Roger. Para ele, a história pode ser lida como uma aventura quase policial povoada por animais muito brasileiros, como o uacari branco, um macaquinho que só existe no bioma amazônico, ou a matamatá, planta típica da região, ou ainda ou os panapaná, as revoadas de borboletinhas amarelas. "A história não é uma lenda específica, ela se baseia em algum mito sobre a cidade do fundo, mas todos os elementos passam por uma observação", avisa.
Espinho de arraia
De Roger Mello. Global Editora, 40 páginas. R$ 79
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