Há 40 anos atuando no cenário cultural do Distrito Federal, André Amahro é um entusiasta das artes. Seu nome está ligado a uma longeva e premiada carreira no teatro, mas sua atividade profissional se estende a outras linguagens artísticas. O dramaturgo, ator, diretor de teatro, cenógrafo, figurinista, iluminador, cineasta, documentarista, radialista, fotógrafo, escritor, compositor e poeta se prepara para lançar no próximo sábado (3/6), às 20h30, no Centro Cultural de Brasília, um projeto editorial em que reúne literatura, fotografia e músicas de sua autoria. Tudo em um só livro.
A publicação vem batizada com o nome sugestivo de Triciclo – arte móvel para passeio, um compêndio de contos e audiocontos, séries fotográficas e um álbum de dez canções que se converte em delicioso farnel artístico para o consumo e o desfrute do leitor/ouvinte.
A novidade está na terceira parte do livro, a parte sonora desse projeto multilinguístico. André se lança como cantautor, cantando composições que criou ao longo dos últimos anos, em álbum próprio produzido com maestria pela cantora e compositora Fernanda Cabral [Prêmio Profissionais da Música 2021].
Para celebrar esse novo rebento artístico, a noite de lançamento contará com uma sequência de eventos: primeiramente, um esquete teatral (interpretação de uma passagem do conto Apollinaire e a vastidão da vida, por Vanessa Di Farias, atriz de longas datas do seu Teatro Caleidoscópio) e a exibição de um curta inspirado na versão em áudio do conto Bonsai e o sentido da vida, produzido para o projeto em atenção aos portadores de deficiência visual.
André criou uma sequência de imagens para a história narrada em off, buscando ouvir as intenções da literatura, da sua própria escrita. Um experimentalismo que subverte, de certo modo, as etapas clássicas de produção no cinema: filmar com atores depois de prontas a trilha e a narração em off.
Em seguida, o autor sobe ao palco para cantar as composições do seu álbum, com a participação de Fernanda Cabral e dos músicos Rodrigo Zolet (piano e acordeão), Lucas Trigueiro (violão e kora) e Moisés Alves (trompete).
A noite termina com uma confraria em torno da mesa de autógrafos.
O amor entre o céu e o chão
O disco está dividido em três movimentos: As Canções da Lua, as Canções a dois (compostas em parceria com Fernanda Cabral) e, por fim, as Canções do vão. Para abrir esta “sinfonia”, André nos brinda com uma Canção do vento, composição puramente instrumental intitulada Madrid, numa alusão afetiva à cidade espanhola onde viveu por dois anos. A maioria das canções foi composta no calor das suas experiências amorosas, mas André também expõe em suas letras, sobretudo nas parcerias com Fernanda, um profundo sentido de coragem, leveza e alegria.
“As minhas letras e as que fiz com Fernanda nasceram de estados muito verdadeiros, de vivências reais que tivemos juntos, como parceiros de vida e de trabalho. Esse disco tem a minha digital, mas também a da Fernanda, porque, além de musa inspiradora, ela é parceira e produtora musical. Sua presença no disco é um presente e um selo de qualidade”, conta o artista, cuja vocação para compositor já demonstrava em canções criadas para os espetáculos da sua companhia teatral, o Teatro Caleidoscópio.
O jornalista e crítico de arte Leonardo Lichote (Folha de São Paulo), que prefacia o capítulo musical, declarou: “o disco se equilibra num estado de suspensão. Há nele, o tempo inteiro, uma flutuação poética e musical que parece prestes a se decidir — ou se indecidir — entre queda e voo. Entre a solidão que é chão (como canta em Oração) e o céu que se pode navegar (como canta em Rio), numa imagem de beleza sinestésica que diz muito do disco.”
O disco foi gravado no Studio Sereia (Fernanda Cabral), Sultana Records (Lucas Trigueiro) e Refinaria Estúdio (Alan Pinho), onde também foi mixado e masterizado.
O regente nº 3
Esta tríade artística – literatura, fotografia e música - que dá sentido ao título do livro instaura o primado do número 3 ao longo de toda a publicação. No capítulo dedicado à literatura o autor apresenta três contos. Cada um traz a história de um homem distinto (Bonsai, Apollinaire e Simplício) e sua relação com a vida, segundo a influência do seu signo primordial: Bonsai é do signo de Aquário; Apollinaire, de Sagitário; e Simplício, de Capricórnio, todos eles se comunicam com as três facetas astrológicas do autor.
A qualidade da escrita de André Amahro é resultado de uma dicção aparentemente espontânea, mas talhada por um intenso trabalho com a linguagem. Os contos nascem dos questionamentos existenciais e da mente caleidoscópica do autor que cria um imaginário cênico e onírico, dando aos acontecimentos narrados uma aparência de teatro. A escritora e educadora paulista Cássia Janeiro, que assina o prefácio deste capítulo, comenta:
“Lendo a prosa poética de André Amahro, fiquei muitas vezes assombrada diante do belo; perplexa, face a face com essa tessitura perfeita com a qual o autor arremata, com originalidade ímpar, o seu texto. Mas a prosa poética de André não é apenas feita de originalidades, assim mesmo, no plural; ela é constituída por uma rara combinação estética que abriga um tanto de prosa, outro tanto de teatro, a presença da poesia – única e farta –, tudo isso perpassado pela delicada musicalidade, ora suave, ora pungente. André nos dá de bandeja uma viagem de primeira classe à literatura.”
Na fotografia, André apresenta três séries (Trios, Triplos e Trípticos). A primeira é uma coleção de fotos que retratam três objetos semelhantes agrupados pelo acaso. Os Triplos são colagens em que o artista utiliza três fotos para compor uma imagem final, notadamente surrealista. E os Trípticos são montagens de três fotos, dispostas lado a lado, inspirando narrativas e fabulações subjetivas.
A curadora Renata Azambuja, que dedica uma reflexão a esse capítulo, afirma:
“As imagens de Amaro giram em torno da construção de diversos tipos de temporalidades e de espacialidades, como uma coleção múltipla de tempos inseridos em espaços que reconhecemos, tornando a experiência do real, imaginária (o encontro com o presente em Trios; a atmosfera surreal dos Triplos e o tempo das histórias nos Trípticos). O inesperado surge como rasgos nas imagens, na medida em que o real é fabulado; é invenção. As histórias são contadas a céu aberto: nunca há espaço enclausurado. O interior fabulado descortina-se tendo o céu à vista.”
No livro Triciclo: arte móvel para passeio, o leitor pode inquietar-se com o sublime do lírico, a irreverência do satírico, o despojamento do coloquial, a reflexão filosófica, certa proximidade com Maiakovski, Tony Hoagland, Peter Greenaway e a provocação do inconcluso e das surrealidades emanentes. Ou nas palavras da poeta e crítica literária Luciana Barreto, coordenadora editorial do projeto:
“Sabidamente, um autor maduro dispõe de consciência estética, de apuro formal. E é desse modo que Amahro desenhou o seu projeto artístico, equilibrada e cuidadosamente assentado na potência ancestral do número três. E o passeio do triciclo nos conduz a três estações: literatura – fotografia - música. A cada parada, mais nos demoramos, tomados por uma espécie de vertigem frente a incitamentos existenciais, desconcertos imagético-sinestésicos, voos-encantamentos melódicos.”