Depois de um trabalho de resgate de filmes junto a familiares de Thomas Farkas; com olhar atento ainda à pesquisa em cinema de Rayssa Coelho, a obras restauradas e digitalizadas (junto ao CTAV, Centro Técnico Audiovisual, carioca) e ao garimpar na produtora Saruê, um dos curadores da Retrospectiva Geraldo Sarno (mostrada no CCBB até 11 de junho), Ewerton Belico, conta dos momentos de desesperança e de integração, alguns dos traços presentes na obra do cineasta baiano (morto no ano passado, em decorrência da Covid-19) Geraldo Sarno. "Há momentos que os personagens atravessam perdas de laços, diante da seca e da migração forçada. Passam pela mudança de encarar uma nova realidade, violenta e incompleta", diz, enquanto complementa: "Existe também a representação de forças de permanência, a partir dos significativos traços culturais comunitários que Sarno retratou, com a expressão de valores coletivos".
Numa visão de conjunto dos 26 filmes a serem apresentados (com ingressos a R$ 10) Belico destaca fitas como Viramundo (média-metragem de 1965) e Viva Cariri (filme de 1970 com fotografia de Affonso Beato e de Lauro Escorel), um dos títulos de Sarno a competir no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, evento em que saiu premiado (como melhor diretor), em 2008, com o filme Tudo isso me parece um sonho (também presente na mostra) e que revela a libertação de países sob jugo da coroa espanhola, em que Bolívar teve princípios defendidos pelo general brasileiro Abreu e Lima. O cineasta Geraldo Sarno, que revê a própria carreira no média Sertão de dentro (2017), venceu, para além de dois prêmios Margarida de Prata (entregues pela CNBB), o importante troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte, por Sertânia (2018), no qual mostra "engajamento político e existencial", como enfatiza Ewerton Belico.
Com olhar atento para a migração nordestina rumo ao Sudeste, Geraldo Sarno (nascido em Poções) chama a atenção de outro curador da atual mostra, Leonardo Amaral, pelo registro do movimento independente de Moçambique no curta Plantar nas estrelas (1978). Com cinematografia fundada pela exploração de religiosidade, cordel, artesanato, iniciação ao candomblé, trajetória de romeiros do Padre Cícero, produção de rapadura, cordel e do bumba-meu-boi, Sarno se valeu ainda de enredos tramados pela literatura brasileira.
O mundo de Monteiro Lobato desponta, por exemplo, em O Pica-pau Amarelo, longa de 1972, em que o Pequeno Polegar reivindica, com sucesso, parte das terras de Dona Benta para os habitantes de fábulas infantis. Junto a polêmicas como a origem de O último romance de Balzac (2010), inspirado por um título psicografado por Waldo Vieira, em 1965, Cristo espera por ti; Geraldo Sarno desvendou alicerces da teologia da libertação, no católico Deus é um fogo (1987), e ainda se aventurou pela trajetória de falantes de iorubá, no (agora) restaurado Iaô (1976).
Junto com personalidades do cinema como Maurice Capovilla e Paulo Gil Soares, Sarno integrou a Caravana Farkas, liderada pelo fotógrafo Tomaz Farkas, sendo capaz de aglomerar temas caros (e diversos) ao brasileiros como produção em casa de farinha e a dia a dia de cantores-repentistas, em fitas de escrutínio da cultura e da economia nordestinas, encerrados em títulos como Herança do Nordeste e Brasil Verdade.
Feiras de comércio pernambucano; célebres feitos de 1922, vistos em Semana de Arte Moderna (filme de 1972); a irreverência de Jards Macalé, em entrevistas de rua de 1982 (reunidas no curta O coco de Macalé) e o exame do impacto das obras de barro do Mestre Vitalino (em Vitalino/Lampião, de 1969) também são destaques na mostra do CCBB, que guarda alguns ouros pontos altos: a adaptação da obra de 1933, assinada por Gilberto Freyre, Casa grande e senzala, num filme de 1978 que expõe patriarcado e regime escravocrata, e ainda Coronel Delmiro Gouveia (1978), que mostra um aspirante a político expurgado do Recife e recolhido no interior com amplo intuito de criar um inesperado sistema industrial no Brasil.
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