Entrevista

Vera Fischer faz um balanço da carreira e critica a caretice da sociedade

Em temporada local da peça Quando eu for mãe quero amar desse jeito, a atriz Vera Fischer fala ao Correio sobre racismo, atitude, nudez e etarismo

Ricardo Daehn
postado em 21/05/2023 06:00 / atualizado em 21/05/2023 09:37
 Vera Fischer interpreta uma enciumada e problemática mãe, na peça Quando eu for mãe quero amar desse jeito -  (crédito: Carlos Costa/Divulgação)
Vera Fischer interpreta uma enciumada e problemática mãe, na peça Quando eu for mãe quero amar desse jeito - (crédito: Carlos Costa/Divulgação)

De uma passagem por Brasília, a atriz Vera Fischer guarda muitas lembranças, como a da temporada de Gata em teto de zinco quente, aos fins dos anos de 1990. Daí certo desgosto ao constatar a capital com o Teatro Nacional inoperante por anos a fio. "Ver um teatro fechado é sempre triste; sempre!", observa a eterna musa nacional, aos 71 anos, que deixa transparecer a leve e frutífera fase à frente da peça Quando eu for mãe quero amar desse jeito, em cartaz hoje, com sessões às 17h e às 19h30, no Teatro Unip (na SGAS 913).

Passar por Brasília, inevitavelmente, leva ao questionamento político, até porque a comédia a ser apresentada no teatro incorre em temas da realidade social. Mas Vera sabe ser diplomática e sintética: "Política me interessa em todos os níveis como interessa a qualquer pessoa que entende que tudo é política".

Objetivos

Empreendedora, Vera Fischer conta que sempre se vê alimentada pelo envolvimento com a arte e pela "vontade do novo". Outra prioridade reside no afeto — "só ele me interessa", enfatiza. Encampar personagens "boas e bem escritas" ocupa lugar de destaque para a voluntariosa atriz, sempre de olho na lacuna de ter pela frente um "próximo" personagem, seja no audiovisual ou no teatro. "Comodidade não é, nem de longe, a minha busca. Quero o incômodo, o difícil, o complexo — sempre!", enumera.

Impulsionada por obstáculos, Vera Fischer conta das inúmeras disposições, como a de cantar em cena, um feito do passado. "Se aparecer uma oportunidade boa, faço de novo. Não sou cantora e não canto bem como uma cantora mas, se me propuser a fazer, vou estudar e fazer bem feito", assegura. Administrar oportunidades e quebrar de expectativas ganha o mérito da sabedoria de quem completa 55 anos de carreira com realizações que vão do título de Miss Brasil até marcantes ensaios de nu artístico. "Tempo é garantia de evolução e eu fico cada vez melhor enquanto ele passa", comenta.

Dia desses, ao brincar com o tempo, a catarinense reavivou, na internet, fotos de nudez feitas há 41 anos em Sérifos (Grécia). Por precaução, de cara, teve que apelar para o uso de tarjas. "Ficar pelada é tão fácil. Desafio é dar conta de uma sociedade careta e hipócrita que me obriga a colocar tarja nas fotos", dispara. 

Entrevista com a atriz Vera Fischer

A peça que te traz à capital (Quando eu for mãe quero amar desse jeito) fala sobre ser mãe. Antes de exercer a maternidade, você idealizou posicionamentos e atitudes? Foi como esperava?

Estamos no palco encenando um relacionamento familiar distorcido, forte e muito tóxico. A relação de Dona Carmona (meu personagem) com o filho é tão absurda e doentia que resulta em uma comédia. Eu construí, sob a direção de Tadeu Aguiar, uma personagem complexa, cruel e que não se abala ao agir de maneira inescrupulosa. Acho que ser mãe é garantia de muita alegria. Quanto a mim: tenho dois filhos lindos, de personalidades fortes e únicas.

Há um timing específico demandado pela investida na comédia?

Cada personagem que fiz ao longo desses 55 anos de carreira demandou construção e timing. Acho que a personagem deve obedecer ao tempo, o texto é que precisa ser bem escrito, como no caso desse texto maravilhoso de Eduardo Bakr (autor de Quando eu for mãe quero amar desse jeito).

Na peça, vocês tratam de classe social e de mudanças — nisso, como, por exemplo, percebe a questão do racismo no Brasil?

O racismo existe no Brasil e no mundo, ponto! Já tardamos em admitir isso e assumir uma postura antirracista. Temos uma dívida histórica a ser paga, de preferência fazendo silêncio pra dar voz a quem tem todo o direito de falar.

A nova peça traz conceitos como aristocracia e reitera algumas convenções sociais... Lembra da tua reação, na vida real, ao passar ao posto de "senhora" — ao ser chamada assim?

Não me lembro, nem sei se já aconteceu (risos). Se sim, provavelmente respondi, assim como respondo pelo (nome) Vera. Fui alvo de machistas, de caretas, de cafonas e onde eles estão agora? (risos) É preciso, sim, falar sobre etarismo e combater a estupidez de alguns, mas é até difícil ser combativa quando a questão é o outro não conseguir entender o básico. Os tempos mudaram e essa gente ultrapassada tem que ser silenciada sem dó. Tempo é garantia de evolução e eu fico cada vez melhor enquanto ele passa.

Quais os desafios internos ao envelhecer?

Cuido da minha saúde e acho muito importante. Envelhecer é inevitável. Não é um desafio. Eu trabalho muito, tenho uma vida produtiva, uma carreira de sucesso e muita coisa pra fazer ainda. Já disse uma vez que não tenho o mesmo problema do Capitão Gancho, que é o de passar a vida com medo dos tic-tacs (do relógio) (risos). O tempo passa, e ponto! Não sou assombrada por ele. Eu lido com ele buscando as novas possibilidades.

Qual o peso de ter que estar sempre bela?

Quem disse que eu "tenho que estar sempre bela"? Quem vai no meu Instagram vê fotos minhas de pijamas. Eu continuo indo ao mercado de camiseta, short e chiquinha no cabelo. Quando vou trabalhar é outra coisa: eu me arrumo, me produzo, faço porque gosto — porque essa preparação é um sinal de carinho pelo público.

O que tem movido a porção Vera empreendedora?

Minha inquietação. Escrevi, e quero que as pessoas leiam. Pintei quadros, e quero que as pessoas vejam — e vistam também, porque os quadros estão virando uma coleção de roupas. Os produtos que me fazem bem estão sendo transformados em uma linha voltada para o bem estar e a saúde. As personagens que ainda guardo dentro de mim estão tomando vida e virando roteiros a serem montados. Minha arte, minha vontade do novo e uma equipe de mulheres competentes alimentam a Vera Fischer empreendedora. 

A nudez em cena ainda pode ser um futuro desafio?

Nudez nunca foi desafio, é o natural. Ficar pelada é tão fácil, meu querido. Desafio é dar conta de uma sociedade careta e hipócrita que me obriga a colocar tarja nas fotos. Tarja preta é pra remédio, não é pra arte.

Você só recebe amor no teu sistemático uso da internet e das redes sociais?

Eu só tenho contato com o amor e acredito que ele seja o motivo da maioria das manifestações nas redes sociais. Mas tenho uma gestão bem feita pelas meninas da (produtora) Amarelo Urca e, o que chega de ruim, se é que chega, provavelmente nunca saberei (risos). Só o afeto me interessa!

Depois de fixada como símbolo sexual e alguém que removeu tabus, é difícil entender uma sociedade que rechaça o uso de uma foto de nu, como foi o caso da tua homenagem à Rita Lee?

Não fui fixada! Tentaram, mas faz tempo, né? Construí outra história, sou reconhecida pelo trabalho de anos como atriz. Quanto a Rita Lee, ela é uma mulher única, exponencial, ao quadrado! Fiz a homenagem que achei que cabia — aos que não gostaram, recomendo olhar bem pra foto (risos)!

Mais teatro na capital 

A temporada de Quando eu for mãe quero amar desse jeito (no Teatro Unip) é um capítulo no andamento do projeto local Circuito de Teatro Brasileiro, apoiado pelo Ministério da Cultura. Depois Grace Gianoukas estelar Nasci pra ser Dercy, dias 3 e 4 de junho (na Unip), será a vez de Marcelo Serrado chegar na cidade, com Um pai de outro mundo (em meados de junho) e de Marisa Orth mostrar Bárbara, em julho,
ambos no Teatro Royal Tulip. Susana Vieira e Marcos Veras também terão espetáculos contemplados.

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