O farol é uma estrutura elevada, cujo facho de luz é visível a longas distâncias e que ilumina a escuridão. Tal qual Rita Lee, que em meio ao período sombrio e nebuloso da ditadura militar, surgiu em 1966 com Os Mutantes para transformar os caminhos musicais do país. A artista não apenas iluminou o rock nacional, mas a todo cenário musical, filosófico e comportamental do país. Não é à toa que o brilho da artista irá se perpetuar. Rita Lee Jones vai, mas a obra dela fica como um legado e referência para muitas gerações que serão influenciadas pela voz e militância feminina.
- Rita Lee teve show cancelado em Brasília pela ditadura militar.
- Do cabelo vermelho aos looks irreverentes, Rita Lee também fez história na moda.
Rita Lee nos mais de 50 anos de carreira foi uma figura seminal na história musical do Brasil. Ela tocou canções e os corações dos brasileiros ao mesmo tempo. Era a cantora favorita de vários músicos, compositores e outros cantores. Gilberto Gil esteve presente em muitos momentos de glória dos Mutantes e da carreira solo de Rita Lee. Foi acompanhando sua apresentação no 3º Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, na canção Domingo no parque, que o grupo despontou no cenário artístico da Tropicália. Mais tarde, ainda colaboraram no grande manifesto do tropicalismo, com o disco Tropicalia ou panis et circensis. "Ela reuniu tanta gente em vida, com suas canções, com seu canto tão lindo, com sua capacidade extraordinária de ironizar o grotesco do mundo... Rita é uma imensidão", disse Gil.
Referência
Um dos maiores compositores da música brasileira e amigo pessoal de Rita, Jards Macalé não conseguiu usar as próprias palavras para expressar a tristeza de se despedir de mais uma amiga. "A Rita levou meu sorriso no sorriso dela", disse o músico ao Correio, em uma referência a clássica música de Chico Buarque A Rita.
Milton Guedes, multi-instrumentista, trabalhou diretamente com Rita no disco Ao vivo MTV, que ela gravou em 2004. O músico lembra o que aprendeu. "Eu vi a simplicidade de uma artista gigante. Ela podia ser tudo, mas ela escolheu ser simples", conta. "A nossa rainha para sempre, foi um privilégio imenso ter sido convidado e dividido processos com ela", comemora o artista que serviu de saxofonista para a cantora. "A Rita é uma desbravadora da música brasileira, instituiu uma nova forma de fazer rock brasileiro", complementa.
Leo Piovezani, agora membro solo do projeto de eletrônica Elekfantz, trabalhou com Rita Lee como baterista do grupo Tutti-Frutti em 2001. Duas décadas depois, teve o prazer de remixar a música Shangrilá, da cantora para o disco Classix Remix, com curadoria do filho dela João Lee. "Para mim, Rita Lee, ou Tia Rita, como ela me pediu para ser chamada uma vez, além de ser uma excelente cantora, era extremamente criativa, com uma atitude única e carisma jamais visto no rock brasileiro", ressaltou.
Pelas redes sociais, Caetano Veloso lembrou que foi Rogério Duprat quem uniu Gil aos Mutantes. "Arnaldo, Sérgio e Rita iam com frequência a meu apê na (Avenida) São Luís. Uma inflação de talento. Rita desde sempre parecendo mais apta a entrar na roda geral da canção brasileira pós-rock. Ela era linda e sempre elegante. Entrava em personagens que escondiam sua beleza e exibiam sua timidez. Tomou o Brasil quando chegou sozinha ao pop, desligando-se das competentes audácias progressivas de seus companheiros. Em sua autobiografia ela cita as pouco numerosas cancionistas brasileiras. Ela se vê ali. Rita tem obra imensa. Seu livro deslumbra pela linguagem vivaz. Eu era tímido com ela. Gil sempre foi mais à vontade. O coração de Rita deixou de bater. Mas o do mundo não para de bater por ela. Ela está entre os criadores musicais mais brilhantes do Brasil. E o Brasil precisa ter luz para dar ao mundo", disse.
Alessa, musicista e idealizadora do Bloco de Carnaval de São Paulo, Ritaleena, conta como Rita Lee e as músicas dela sempre estiveram presentes na vida dela, história e como as músicas da cantora representavam cada fase que passou. "Sua rebeldia, seu senso crítico, sua ironia, foram coisas que fui entender mais tarde. Tem sempre uma música da Rita Lee que aparece para mim e revela, dá sentido ao momento que estou passando", explicou Alessa.
Ela ressaltou a luta que Rita travou. "A perda de uma figura como Rita Lee, sua irreverência, seu deboche, principalmente nos dias de hoje é imensa. Rita Lee foi a compositora entre homens e mulheres, que mais foi censurada na ditadura. Isso diz muito. Ela será sempre o antígeno contra a caretice", enfatizou ela.
Boa influência
A rainha do rock nacional está presente em trabalhos recentes na música brasileira. Ela não precisa cantar para ser importante, ela está lá, presente, na sonoridade, nas ideias, nas metáforas, nas letras. "Todos nós temos um pouco de Rita dentro de si, ela realmente inspirou muitas gerações e seguirá eterna com sua obra, suas canções. Rita tinha o dom da comunicação e ela veio para chacoalhar qualquer um, qualquer pensamento. Todas as fases de Ritinha foram geniais!", diz Julia Mestre, cantora conhecida pela carreira solo e pelo trabalho no Bala Desejo.
Julia se classifica como uma "eterna discípula" da criação de Rita. "Santa Rita nos deixou hoje. Rita Lee Jones, a maior compositora que o Brasil já conheceu!", exalta. "Essa notícia me deixou muito triste nessa manhã, mas sei que Ritinha tinha planos maiores. O céu está em festa e agora estamos todos sendo cuidados pela nossa Santa Rita, a maior roqueira do Brasil", complementa. "Te amo. Te amamos, Rita. Quero saúde pra gozar no final!", celebrou.
Clarice Falcão também cheia de referências de Rita Lee na carreira compara a cantora a um sentimento. "Se a liberdade fosse uma pessoa, seria Rita Lee. Livre desde o começo, quando a gente é muito jovem e tem que brigar pela nossa liberdade, e livre até aquela hora em que a gente começa a desacreditar que vale a pena brigar por qualquer coisa", reflete a artista. "Ela deu um banho em todos nós. Liberdade é uma pessoa, sim, e era Rita Lee", completou.
A cantora e compositora Mahmundi teve contato com Rita já mais velha e, mesmo assim, a roqueira foi uma influência que a fez conduzir a própria trajetória. "A primeira vez que eu ouvi Rita Lee, estava em casa, eu lembro bem. Tocou Amor e sexo na rádio, na época era lançamento. Eu achei curiosa a voz daquela mulher, a letra da música também. Eu era mais velha, tocava em casamentos, e perguntei para os meus amigos de banda se eles conheciam Rita Lee. Meu baixista olhou para mim e disse: 'Como assim, você não conhece Rita Lee?'. Nesse mesmo dia, ele pegou uma caixa na garagem dele cheia de CDs, deu na minha mão e falou: Ouça, e amanhã a gente conversa'", conta. "Quando eu ouvi aquilo, pela primeira vez, fiquei em choque, virei a noite ouvindo. Desde então comecei uma história apaixonante com a Rita Lee", acrescentou.
Saiba Mais
- Diversão e Arte Por quanto tempo a Rita Lee fumou cigarro?
- Diversão e Arte Rita Lee: o dia em que ela queria 'matar' Alice Cooper
- Diversão e Arte Última aparição de Rita Lee foi ao assistir a homenagem do 'Altas Horas'
- Diversão e Arte Antônia Fontenelle é condenada a pagar R$ 100 mil aos irmãos Felipe Neto e Luccas Neto
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.