Obituário

Rita Lee foi presa grávida durante a ditadura e cantou ‘Ovelha Negra’ na cadeia

A cantora foi acusada de portar maconha e, por isso, recebeu condenação de um ano de prisão domiciliar. Em seu livro, a artista conta em detalhes esse período

Aline Brito
postado em 09/05/2023 20:37 / atualizado em 09/05/2023 21:56
 (crédito: Reprodução/Autobiografia Rita Lee/Editora Globo)
(crédito: Reprodução/Autobiografia Rita Lee/Editora Globo)

A cantora Rita Lee, que morreu na noite de segunda-feira (8/5), em São Paulo, foi presa durante a ditadura militar, quando estava grávida do primeiro filho, Beto Lee. A artista foi detida em setembro de 1976, acusada de estar com maconha na casa em que vivia na Vila Mariana e, por isso, foi condenada a um ano de prisão domiciliar. No livro Rita Lee, uma autobiografia, ela detalhou esse episódio de sua vida.

De acordo com o relato de Rita, a prisão foi uma retaliação a um depoimento que ela prestou contra um policial e a maconha teria sido implantada em sua casa. A cantora conta no livro que após um show no antigo teatro Aquarius, em São Paulo, ela recebeu uma senhora, chamada Nadir, que relembrou a morte de um homem durante outra apresentação da artista, em Itaquera, que era seu filho, e a pediu para depor na audiência sobre o assassinato do rapaz. “Fiquei tocada com a história da mulher e topei. No dia seguinte fui ao fórum e contei a cena. Mal sabia que estava metendo a colher no caldeirão corporativo da polícia paulista”, escreveu.

“Recebi o troco três dias depois, quando quatro deles chegaram de madrugada na rua Pelotas com uma ordem de busca, sem apresentar qualquer documento. ‘Viemos buscar o quilo de maconha que a Rita Lee guarda aqui’”, relatou a cantora. Rita ainda disse que, ao ser levada para a delegacia, falou ao delegado que a maconha encontrada não era dela, já que ela estava grávida e, naquele momento, não estava fazendo uso de drogas.

Mesmo negando a autoria e afirmando que testemunhas viram o momento em que a maconha foi implantada em sua casa, Rita passou uma semana no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), órgão que atuava como braço do aparato de repressão da ditadura militar — e mais um mês e meio no presídio feminino do Hipódromo.

Um show inteiro com direito a bis de Ovelha Negra

No Hipódromo, Rita foi bem recebida por outras detentas, que não demoraram muito para pedir que a artista “cantasse umas musiquinhas para elas”. As prisioneiras se mobilizaram para conseguir um violão e Lee fez um show inteiro para elas. “Empunhei o violão e mandei Ovelha Negra com direito ao bis do bis. O inferno de Dante cantando em uníssono ‘Baby, baby, não adianta chamar’ merecia um Oscar de melhor musical”, descreveu.

Após esse episódio, Rita teve uma complicação na gestação, com dores intensas e sangramentos. Ao ser presa, a cantora estava com cerca de três meses de gravidez, período delicado em que o risco de aborto espontâneo é maior. Nesse período, as colegas detentas da cantora chegaram a fazer um “canecaço”, pedindo que ela fosse avaliada por um médico, mas o pedido não foi atendido pelas autoridades policiais. “O perigo do aborto era real. Nada foi feito”, afirmou a artista em sua autobiografia.

Então, Rita Lee recebeu uma visita ilustre na cadeia: a cantora Elis Regina. “Só pode ter sido manobra do meu anjo da guarda ter acontecido justamente no dia em que eu estava tendo um sangramento com cólicas insuportáveis”, detalhou. Na época, Elis tinha certa autoridade, era “reconhecida como a rainha do Olimpo musical e nenhum generaleco se atreveria a mexer com ela”, e exigiu que Rita fosse atendida por um médico. “Ela ficou lá de plantão até eu ser medicada e o sangramento estancado”, relatou.

Depois de mais de um mês no Hipódromo, Rita Lee foi julgada e condenada a um ano de prisão domiciliar, a qual ela cumpriu no “casarão da rua Joaquim Távora”, sempre com um policial a vigiando.

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