Rita Lee faz parte da trilha sonora de Joana Duah desde a infância, quando dançava uma coreografia embalada por Lança perfume nas aulinhas de jazz. Em casa, os pais compravam os LPs e a família inteira ouvia e cantava. "Sempre foi uma trilha sonora muito festiva, até quando ela, de alguma maneira, falava da caretice, era sempre de uma forma muito festiva. Era uma figura que, nos anos 1960, achava aquela juventude de esquerda que curtia música de protesto meio careta", repara a também cantora, que montou em Brasília um show-tributo para Rita Lee.
A irreverência, combinada com a atitude de resistência e enfrentamento, sempre fascinou Joana. As letras das músicas eram fruto da postura combativa que fez Rita Lee chutar a porta do rock brasileiro, até então marcado pela presença masculina e machista, e se impor com um discurso sem superficialidades e que não admitia clichês. Joana lembra de Mamãe natureza, que tem versos como "Não sei/Se eu vou ter algum dinheiro/Ou se eu só vou cantar no chuveiro". "Já é a afirmação de um lugar de artista, do papel dela de artista como mulher, mas sem um discurso clichê", diz a cantora. "A atitude é de uma personalidade artística completamente sintonizada com a obra que produziu. É uma figura que estava cantando Panis et circenses, em 1968, falando das pessoas 'ocupadas em nascer e morrer', o tempo inteiro era esse espaço de crítica das coisas que estavam normalizadas."
Para o repertório do tributo, Joana escolheu principalmente músicas dos anos 1970 e 1980. Ela tem carinho especial pelos discos gravados com a banda Tutti frutti, como Fruto proibido (1975), que tem músicas como Agora só falta você e Ovelha negra. "É uma irreverência que é da personalidade, e um tipo de feminismo que nunca é clichê. É uma atitude de vanguarda, uma figura que está acostumada a pensar fora, a transgredir", diz.
A cantora e compositora Gaivota Naves cita Entradas e bandeiras, de 1976, como um dos discos favoritos. A música que abre o álbum, Coristas de rock, é emblemática da personalidade de Rita Lee, com o verso "Que tem pra valer/Um ponto de vista que não se limita/ De ser ou não ser/ Prefiro ser os dois". "Rita Lee é tanto pra mim! Ela é a inspiração máxima de muitas mulheres como eu, que ousaram afrontar e se inserir em lugares completamente masculinos. Ela conseguiu fazer isso com primor, com deboche, se apropriando de tudo que ela podia e colocando em cada coisa um toque especial", descreve Gaivota.
Ela também cita Atrás do porto tem uma cidade, de 1974, que traz a faixa Mamãe natureza. "Esse disco, até hoje, me marca muito, a gente fazia várias músicas, é uma coisa que formou meu caráter enquanto compositora, musicista, enquanto mulher, enquanto banda. Até hoje penso nela em vários momentos quando as coisas ficam muito difíceis, muito duras, penso em como ela agiria ao usar o deboche, o riso", revela Gaivota.
Psicodelia
O guitarrista Haroldinho de Mattos lembra de um episódio de um show em Brasília. Ele tinha 9 anos e estava na plateia da apresentação com o irmão, Sérgio Pinheiro, que mais tarde integraria a banda Mel da Terra. Rita esculhambou o público desanimado e elogiou os irmãos, os únicos que cantavam e dançavam durante o show. Eram os tempos das apresentações com a Tutti Frutti, com figurinos psicodélicos e início da história pós-Mutantes. "Depois dos Mutantes, ela voou para o mundo. Ainda bem. Esse show foi muito marcante pra mim, essa coisa da postura, da indignação, da resistência contra a caretice, contra o machismo", lembra.
Philippe Seabra vê Rita Lee como uma pioneira. Ele lembra como a cantora e os Mutantes foram importantes para defender o lugar do rock e da presença das guitarras na música brasileira num momento em que os ícones da MPB se uniam contra a "influência da música ´moderna´ vinda de fora". "Todos nós da década de 1980 temos que reconhecer que foi ela quem abriu o caminho", acredita. "A contestação estava em seu sangue, mas sem apelar nem ofender. Se expressava através da postura e suas letras, e que sua alma inquieta — que inspirou gerações, inclusive um jovem recém-chegado dos EUA em 1976, eu — descanse em paz."
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