Curitiba – Um dos principais festivais de teatro do país, o Festival de Curitiba, toma as salas de espetáculo e ruas da capital paranaense desde a última segunda-feira (27/3). Com programação até o dia 9 de abril, o evento traz atrações de todo Brasil e até estrangeiras para a cidade.
Com a proposta de fazer “o festival para todos”, o evento espalha por mais de 10 locais de Curitiba uma série de espetáculos diversos. Tratando de temas como gênero, raça, amor, lugar no mundo e até a história da capital paranense, o Festival de Curitiba usa de espaços famosos como os teatros Guairão e Guairinha e também ocupa espaços públicos, como a praça Santos Andrade.
O Correio foi convidado para três dias do festival e, durante este fim de semana irá acompanhar algumas das 15 sessões dos espetáculos que fazem parte da programação do festival e passar as impressões.
A beleza do cotidiano invisível
A companhia de teatro internacional Wunderbaum transformou uma praça inteira em um palco no espetáculo Square/Praça. O grupo convidou pessoas de toda a cidade para uma apresentação que envolve música, experiência e cotidiano. Com o público sentado na escadaria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um grupo de pessoas cria um espetáculo a partir do movimento na praça Santos Andrade, no centro da cidade paranaense.
O público, usando fones de ouvido, é levado em uma narrativa baseada nos sons e nas interações que podem ser percebidas na praça. A performance fica a cargo dos holandeses Jens Bouterry, Maartje Remmers, Walter Bart e Marleen Scholten, além dos brasileiros Pedro Uchoa e Monique Vaillé. Eles guiam não só os espectadores, mas um grupo com mais de 20 outros performers e músicos em um passeio pelo cotidiano.
O espetáculo todo gira em torno dos movimentos dos performers, que por meio de microfonação e tecnologia vão sendo musicados ao vivo para o publico na escadaria. As interações com quem passa na praça e entre os atores são microfonadas. A intenção é movimentar o foco do público e dar a atenção para tudo aquilo que acontece passageiramente em um lugar movimentado e gerar a reflexão sobre a importância dos pequenos momentos cotidianos como experiências para a vida toda.
O que é ensaiado e o que é real na praça se misturam em uma experiência sonora e física emocionante. Uma reflexão bela sobre a relação que a pessoa tem com lugares, sejam eles da pequeneza de uma praça ou da magnitude do mundo. Os passos, as conversas e os movimentos são transformados em música que dá ritmo aos relatos das relações das pessoas com a praça Santos Andrade. Uma canção de amores para um ponto tão central e passageiro da cidade de Curitiba.
Homem não sábio
As reflexões sobre como o mundo funciona foram elevadas a outro grau em Ficções. A peça, protagonizada por Vera Holtz e baseada no best-seller Sapiens de Yuval Harari, foi apresentada pela segunda vez na programação, ambas no teatro Guairão.
O enredo é quase como uma análise, por vezes irônica, cômica, mas com espaço para seriedade, Holtz questiona as várias ficções criadas pelo homo sapiens durante a existência da espécie. Deus, froteiras, religiões, economia, todos os conceitos concebidos pelos homens colocados sob a suspeita de que não são reais. A vida real como fruto de uma ficção criada por uma espécie que há pouco, levando em consideração a idade da Terra, começou a existir.
Com praticamente todas as quase 2200 cadeiras do teatro ocupadas, Vera usa o público para uma cooperação em cena. O texto, escrito e encenado por Rodrigo Portella, parece uma conversa entre a atriz principal, a plateia e os vários personagens que ela assume no caminho. Sem contar a música, muito bem executada por Frederico Puppi, que exerce função de personagem e construção de tensão na história.
Ficções, que estará em cartaz no CCBB Brasília entre junho e julho, é uma peça que mostra que é possível falar sobre um assunto sério de forma leve, mas sem perder profundidade. Com apenas duas pessoas no palco, que parecem uma multidão, traz questionamentos pertinentes sobre o mundo e a sociedade as vezes tão complexos que até abrem o espaço para a brincadeira de Holtz: “agora eu sei porque as pessoas não vão ao teatro”. Uma piada que ela mesma responde, afinal é por ideia como essa que o teatro permanece vivo.