As pinturas de uma turma de mulheres do entorno, o lançamento de um livro sobre a ligação entre arte e viagem, a retrospectiva de um dos nomes mais importantes da abstração geométrica brasileira, o impacto de um mergulho na floresta na produção de uma pintora: o circuito de artes visuais está intenso na cidade nesta virada de mês. Exposições e lançamentos ocupam vários espaços com os mais variados temas. Confira um roteiro do que está em cartaz para o público neste fim de semana.
Artistas viajantes
Começa em 2015 o primeiro relato de Extravagâncias — A viagem como modo de produção na arte, quando a autora, a artista Raísa Curty, realizou uma viagem de bicicleta batizada de Residência artística móvel. Havia um certo descompromisso na proposta, mas também uma predisposição em encarar a estrada como laboratório de produção. E foi o que aconteceu: da viagem nasceu uma instalação, a primeira de várias até 2019, período coberto pelo livro que terá dois lançamentos em Brasília. O primeiro ocorre amanhã, com direito a festa e performance na DeCurators e o segundo será na quinta-feira, na Galeria Pilastra, na qual a artista terá a companhia de Christus Nóbrega para uma conversa com o público.
A pesquisa de Raísa, que sempre resulta em instalações como Alvorada nordestina, série de redes dispostas no Complexo Cultural da Funarte em 2017 em coletiva com selecionados do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, investiga conceitos de hospitalidade e o deslocamento do olhar. Para a artista, a viagem é espaço de aprendizado e educação. “E as residências são metodologias de trabalho. Na viagem, temos que lidar com o outro, o diferente. É sair da sua zona de conforto. A viagem foi me interessando porque sempre sonhei em viajar, desde criança, mas não tinha grana e acho que veio um pouco dessa dificuldade. A primeira viagem foi isso de não ter um espaço e não ter como ser convidado para uma residência, porque para isso você tem que ter um portfólio. Para artista iniciante, é difícil”, conta.
Extravagâncias – A viagem como modo de produção na arte
De Raísa Curty. Editora UnB, 312 páginas. R$ 30. Lançamento amanhã, às 15h, na de Curators ( CLN 412 Bloco C 12), e dia 6 de abril, às 19h, na A Pilastra (QE 40 SMBS 01 lote 01B, Loja 01, Polo de modas, Guará II).
Amazônia exuberante
As pinturas de Simone Fontana são cheias de referências e citações. Estão ali a própria história da arte brasileira e obras icônicas, ao lado de um discurso que pede um olhar afetuoso para a floresta brasileira. Simone fez um mergulho na Amazônia e em aldeias indígenas nos últimos cinco anos. Dessa experiência trouxe o universo imagético de Ni Ukemerâ – Floresta Adentro, em cartaz na Galeria Karla Osório.
Alguns mitos amazônicos, como o da jiboia que engole o mundo, estão presentes nas telas, assim como o modernismo, movimento da arte brasileira que sugeria uma antropofagia das ideias estrangeiras e uma valorização da cultura brasileira. “A floresta entrou dentro de mim e tomei como inspiração todos esses conhecimentos para produzir essa gama de trabalhos. Nós, da sociedade moderna, da cidade, homens e mulheres brancos, a gente sempre tem a floresta como algo muito longe, exótico, fora da nossa vivência”, lamenta a artista. “E os indígenas não, eles sempre tiveram a floresta dentro de sua casa, de seu corpo, todos os mitos, a medicina, todo o conhecimento deles vem da floresta. A exposição é um esforço para que as pessoas aprendam como os indígenas fazem há milênios. Tentei fazer isso. Fui, vi como é viver na aldeia, se relacionar com a floresta. E o que eu tento é trazer essa materialização da floresta para dentro do meu corpo, da minha mente, refletindo nos meus trabalhos.”
Ni Ukemerâ – Floresta Adentro
Exposição de Simone Fontana Reis. Visitação até 11 de abril, de segunda a sexta, das 9h às 18h30, e sábado, das 9 às 14h, na Galeria Karla Osório (SMDB Conjunto 31 Lote 1B - Lago Sul). Agendamento prévio por telefone, DM no Instagram ou WhatsApp
Pintoras periféricas
As pinturas de Cris Akanni, Pamela Wylla e Rayza de Mina são frutos de uma pesquisa que investiga espaços periféricos, identidade, memória, heranças e até a formação da sociedade brasileira. Intitulada Superfície sensível e com curadoria de Gisele Lima, a mostra tem em vista valores e princípios que norteiam o funcionamento da galeria no Guará: enfoque na produção de corpos periféricos, pessoas negras e LGBTQIA+ e novos artistas. “A ideia da mostra vem de um texto que fala do cabelo e pele negra como uma superfície de embates sobre o que é bonito e o que é feio”, explica a curadora. “E trago mais uma superfície para o debate que é a pintura, a superfície da tela, e o sensível, como uma pele que sente, um cabelo que conta uma história, que traz toda uma herança etnográfica, e a pele negra, que é onde a gente sente, que troca carinho, sente dor, sangra, adorna.”
Todas as artistas vêm do entorno. Rayza de Mina veio do Maranhão para São Sebastião aos 3 anos e cresceu enfronhada no “movimento cultural da quebrada”. Cris Akanni e Pamela Wylla são de Ceilândia. A pandemia é um tema recorrente de Pamella e Cris tem se debruçado sobre uma série dedicada a mulheres negras no período pós-escravidão. “As pinturas começaram a aparecer na minha vida durante a pandemia, havia saído de um período bem difícil e comecei a pintar os retratos, que nunca foram muito intencionais e foram acontecendo de forma natural. Em algum momento, as pinturas começaram a fazer muito sentido até como uma questão identitária de como me enxergo e como enxergo as pessoas pretas”, conta Pamela. “Comecei a pesquisar sobre adereço de cabelos, coisas muito específicas, e pinto muito os búzios, eles atravessaram o continente, tanto como peça espiritual quanto de estética.”
Rayza de Mina enxerga, em seus trabalhos, uma presença forte de temáticas como autoestima, estética e um viés espiritual. “Pinto cenas que refletem uma realidade que pessoas de cor vivem e precisam viver cada vez mais. ´É sobre construir uma realidade através da imagética para ela se tornar cada vez mais real e factível”, explica a artista. “Gosto de pintar a realidade ao mesmo tempo que gosto de pintar uma realidade que quero viver, que é de prosperidade para essas pessoas que vêm de um passado marcado pela herança da exploração, da escravidão.”
Superfície Sensível
Com Cris Akanni, Pamela Wylla e Rayza de Mina. Curadoria Gisele Lima. Visitação de quarta a sábado, das 15h às 20h, até 20 de abril, na Galeria A Pilastra (QE 40, Polo de Modas, final da rua 21, Guará II)
Abstração geométrica
Com obras produzidas nas últimas três décadas, a exposição Eduardo Sued – A amplitude da luz faz um panorama da produção mais recente de um dos pintores mais importantes da abstração geométrica brasileira. Boa parte das pinturas foi produzida recentemente, segundo a curadora Cinara Barbosa. “A ideia na exposição é tornar bem visível e evidente essa pesquisa do Sued em pintura para além das proposições cromáticas. É um artista que faz parte da nossa produção de arte brasileira, tem uma trajetória indiscutível, mas na exposição eu quis muito apresentar algumas possibilidades de composição para ampliar esse princípio que é a luz como um elemento crucial da pintura”, explica Cinara.
Com jogos de aproximação das telas, sugestão de continuidade das cores e exercícios de aproximação do olhar do espectador a curadora propõe olhar para o trabalho de Sued de maneira a observar a incidência da luz e sua consequência para as composições cromáticas.
Eduardo Sued – A amplitude da luz
Curadoria: Cinara Barbosa. Visitação até 15 de abril, de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 13h, na Casa Albuquerque Galeria de Arte (SHIS QI 05 bl. C lj. 09 - sobreloja - C)
Pedro Ivo, o artista de uma especial genialidade
Luis Carlos Alcoforado
Especial para o Correio
O conhecimento é uma virtude reservada a poucos. Conhecer é mais do que um processo, porque é uma projeção contagiante do sujeito e do objeto. A virtude se esconde para quase todos, porque muito seletiva, típica dos gênios humanos. A descoberta é a surpresa mais sincera do desconhecimento. Na quinta-feira (30/3), no museu da República, Brasília foi sacudida por uma extraordinária exposição de Pedro Ivo Verçosa, um dos mais singulares artistas brasileiros que dialogou com a arte por vários códigos de expressão de sua sensibilidade de ver o mundo em que ele não mais cabia.
Difícil é rotular esse artista extraordinário, ou, mesmo, esse pintor, completamente artista. Pedro Ivo mergulhou no mundo de seus mistérios, mas não escondeu sua visão de mundo, trânsito, passageiro e ligeiro.
As suas interlocuções com a vida e com a arte foram alimentadas por um sincretismo cultural, de expressões artísticas que podem vir de qualquer período histórico da arte. Pedro Ivo resolveu limitar a sua vida, mas deixou a prova da arte ilimitada. Reverência para celebrar Pedro Ivo. É impossível inventariar a complexidade desse artista.