Com uma reunião de 11 produções de cinema fundamentais na análise dos 63 anos comemorados pela cidade; a partir desta quinta-feira (21/4), o Cine Brasília (EQS 106/107) exibe, às 20h30, a mostra Brasília, duas ou três coisas que eu sei dela, iniciada por obra de Vladimir Carvalho, o curta Brasília, segundo Feldman. "Reputo esse título (de 1979) como filme síntese do que representou o longa Conterrâneos velhos de guerra, detido também na chacina de operários da construtora Pacheco Fernandes, na construção da cidade. Foi um acontecimento sinistro e que foi encapsulado na história da cidade", conta o veterano Vladimir.
Como ele enfatiza que "não se anuncia tragédia", e muito é negado, em casos como este, ele traça paralelos com outras tragédias nacionais. "Basta pensar em Eldorado de Carajás, nos meninos mortos em frente à Candelária e na arreganhada vergonha do Estado brasileiro com o que aconteceu no Carandiru. Ninguém diz, como no meu caso, 'vou montar uma trilogia sobre elementos caros à capital'. Falei da construção da cidade, da política com o câmpus da UnB invadido (Barra 68) e da cultura, com o rock despertado como uma flor do cerrado (Rock Brasília — Era de ouro, a ser exibido nesta quinta, no terceiro piso do Conjunto Nacional, às 19h), que só acontece aqui".
Na mostra do Cine Brasília, que trará ainda uma rara produção sueca (filmada em 1959), o curta Brasília — A cidade da alvorada (atração das 20h30, de amanhã), há destaque ainda para o diretor Adirley Queirós que, em 2012, com o longa A cidade é uma só? (nesta quinta, às 20h45), venceu a 15ª Mostra de Tiradentes. Com o filme, à época, Adirley tratou de pertencimento e percebeu a atenção da crítica para com o diferenciado cinema de Ceilândia. Baseado em fato verídico, A cidade é uma só?
fala de ruptura. "No filme, há a música tema que ajudou a retirar a Ceilândia de Brasília. Jogaram as pessoas para a Ceilândia, numa expulsão", comentou o diretor ao Correio, há 11 anos. Atração de domingo, às 20h30, Fuga sem destino é pautado pela potência e vitalidade do cinema de Afonso Brazza para a capital.
"Na liquidação da Embrafilme, pelo governo Collor, apareceram, naquele inferno dantesco, duas pessoas teimosas e obstinadas: Carla Camurati e o Afonso Brazza. Eles conseguiram filmar no Brasil daqueles tempos sombrios. Brazza mandou bala para todo lado em Brasília com o filme Inferno no Gama. Ele produziu, dirigiu, escreveu, atuou, fez a câmera, e fotografia de oito longas, sendo o último, Fuga sem destino. Como amigo, ele me deixou a missão de mandar para as telas o filme", conta o produtor e cineasta Pedro Lacerda, que contou com as colaborações de Selton Mello e José Wilker.
"Brazza era a cara de Brasília, do submundo do Conic, do Lago Paranoá, do Teatro Nacional e da rodoviária. Bala voava por toda a tela, bandidos morriam a torto e a direito no filme, e morriam, inclusive, duas ou até três vezes no mesmo filme. E daí? Era divertido se estrebuchar numa cena braziana", enfatiza Lacerda. que completa: "Brazza era um fenômeno de mídia, era quem representava Brasília, Brasil afora, com seu jeito bruto, rústico, engraçado: era e ainda é sinônimo de sucesso no cinema candango".
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Reflexões capitais
"Fuga sem destino foi concluído em 2006, e Brazza faleceu em 2003; portanto, há 20 anos de sua morte. Fuga sem destino é o último filme do Brazza, não haverá outro. Por que esse filme é importante? Principalmente porque Brasília era o cenário predileto e perfeito para os filmes do Rambo do Cerrado. Jornalistas, roqueiros, atores, diretores como o René Sampaio e roqueiros como Digão e Rodolfo, dos Raimundos, passaram pelas telas dos filmes do Brazza matando bandidos ou morrendo na cena. Na antiga Boca do Lixo do Cinema Paulista, onde Brazza iniciou seu amor pelo cinema, lá ele era conhecido pela alcunha de “Brasília”. O nome Brazza só apareceu depois que foi integrado ao Corpo de Bombeiros ou porque Brazza é uma corruptela de Brasília? Brazza morreu. Mas será que o Brazza morre?"
Pedro Lacerda, que concluiu o longa Fuga sem destino
"Ter o filme O pastor e o guerrilheiro exibido no Cine Brasília, no grande palco do cinema brasileiro, nos enche de alegria. Mais ainda no aniversário da cidade, quando podemos oferecer um filme feito por nós, brasilienses, à nossa comunidade. Poder assistir ao filme na tela gigante do cinema que simboliza a resistência democrática da cultura à ditadura, tendo em seu enredo a vida e os dramas daqueles que lutaram pela democracia, é uma grande emoção
Nilson Rodrigues, produtor do filme de José Eduardo Belmonte (com exibição dia 26 de abril)
"Sou uma pessoa apaixonada por Brasília. Morei por aí 10 anos, foi onde nasceu meu filho, a cidade me fez cineasta, documentarista — foi onde realizei meus últimos curtas e os primeiros longas. O Cine Brasília pra mim sempre foi um templo, adoro o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o azul do céu, a seca e a chuva, a generosidade e vontade de fazer cinema de muitos, a pluralidade de pessoas e de sotaques! Acompanho o crescimento do cinema de Brasília, torcendo, e ainda me sentindo parte dele. Esse amor se faz presente nas telas em O Casamento de Louise (sábado, no Cine Brasília, às 20h30). A exibição do filme no aniversário da cidade me enche de orgulho. Só gratidão, Brasília!"
Betse de Paula, diretora
"O momento de comemoração do aniversário da cidade é também o momento de reflexão sobre a construção desta, que se iniciou nos anos 1960, mas que dura até hoje. New Life S/A (filme a ser projetado amanhã) reflete de forma crítica esse crescimento da cidade para além dos seus monumentos arquitetônicos. E aborda o tema da especulação imobiliária, que muitas vezes acontece de forma irregular, expulsando populações pobres para lugares cada vez mais distantes dos centros, vide a história da Ceilândia. O filme busca trazer esta reflexão sobre o desenvolvimento de Brasília"
André Carvalheira, o Xará, diretor de New Life S/A
"É representativo que as discussões sobre uma das mais importantes políticas públicas do país, as cotas raciais, acontecessem em Brasília (cenário de Rumo, longa a ser mostrado dia 25 de abril). Alunos, professores e sociedade civil foram confrontados e convidados a refletir sobre a desigualdade racial no ensino público superior da cidade (tema do filme). Temos uma cidade de escalas gigantescas em que até hoje se reflete um profundo distanciamento racial e social da realidade brasileira. Rumo, o filme, se faz importante enquanto memória das ações de estudantes negros e seus familiares pelo acesso à universidade. Durante a pesquisa para o documentário, foi perceptível o apagamento histórico da luta do Movimento Negro, em especial do coletivo EngreSer, que foram fundamentais para a implementação das cotas raciais nas universidades. Em vinte anos foi possível observar que as cotas raciais foram fundamentais para se iniciar um processo de equidade racial do corpo discente da UnB. Qual a cor da criança que brinca nos clássicos pilotis dos blocos residenciais, a cor da empregada que limpa os belos cobogós dos apartamentos e a cor de quem depende de transporte público em uma cidade projetada para carros?"
Bruno Victor, codiretor de Rumo
"Uma das principais mudanças que as cotas raciais (tratadas em Rumo) proporcionaram foram na estrutura da universidade ao se deparar com esse contingente de estudantes negros e todo o debate que eles trouxeram. A luta pela inclusão de autores negros nas ementas dos cursos, fizeram com que muitos professores tenham que se abrir para pesquisas com recorte racial — tudo se tornou ganho importante para a universidade, após as cotas"
Marcos Azevedo, codiretor de Rumo
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