Antes de seu ponderado divórcio, da sua marca de bem-estar Goop e da sua filha chamada Apple – sem falar da agitação do público sobre uma ação judicial que, é claro, tinha que envolver o mais privilegiado dos acidentes entre pessoas ricas, uma colisão de esqui –, Gwyneth Paltrow era apenas uma estrela de cinema.
Houve uma época em que Paltrow era simplesmente a ganhadora do Oscar de melhor atriz pelo filme Shakespeare Apaixonado (1998). Interpretando personagens como a heroína de Emma (1996), uma adaptação da obra de Jane Austen, e a italiana Marge, em O Talentoso Ripley (1999), a loira esguia bem sucedida dos anos 1990 cultivou uma imagem, na tela e fora dela, como uma pessoa carismática e charmosa.
Mas, agora, em 2023, Paltrow sofreu uma transformação que a levou muito além da curiosa denominação de simples "estrela do cinema". Em março, ela foi também uma estrela do seu próprio miniteatro do absurdo das celebridades, com um julgamento que causou sensação entre o público e foi ansiosamente acompanhado.
A ação proposta pelo optometrista aposentado Terry Sanderson enfrentou outra ação, apresentada pela própria atriz.
Sanderson acusou Paltrow de negligência em um resort de esqui de luxo em Utah, nos Estados Unidos, em 2016. Ela teria se chocado contra ele, deixando-o inconsciente e com sérios problemas neurológicos.
Sanderson processou a estrela pedindo US$ 300 mil (cerca de R$ 1,5 milhão), enquanto a ação de Paltrow pedia US$ 1 (cerca de R$ 5), alegando que, na verdade, foi ele quem colidiu com ela.
O que se viu a seguir foram oito dias francamente bizarros de audiências, que incluíram uma legião de médicos, físicos (sim, é verdade) e um advogado de defesa que elogiava Paltrow repetidamente sobre seu senso de estilo e a questionou sobre sua amizade com a cantora Taylor Swift.
Por fim, veio o veredicto: por unanimidade, o júri considerou Sanderson "100%" culpado pelo incidente e concedeu a Gwyneth Paltrow o valor simbólico de US$ 1 pelos danos causados.
Como explicar o imenso nível de interesse sobre este caso?
A enorme atenção da imprensa pelo julgamento, por si só, já era compreensível. Mas o estilo particular de Paltrow como celebridade e a forma como ele se encaixava perfeitamente no curioso caso em questão certamente aumentaram seu apelo para o público.
Avatar de privilégio
Um dos motivos da atenção desmedida ao julgamento pode ser o fato de Paltrow realmente ter se tornado uma marca entre as mulheres.
Quando a atriz lançou sua marca Goop, esta palavra se tornou uma espécie de sinônimo de uma questionável guru do bem-estar, aparentemente dedicada a mulheres brancas e magras, com tempo e dinheiro suficientes para se preocupar com cobertores de sauna infravermelhos e velas com "essência de vagina".
Enquanto ela divulgava a cura dos chakras e suplementos vitamínicos que custavam US$ 75 (cerca de R$ 380) por mês, o espírito de "mamãe da ioga" de luxo ofuscava a carreira cinematográfica de Paltrow.
Até o seu corpo excepcionalmente bem cuidado, aos 50 anos de idade, é outra parte da marca. Recentemente, ela comentou sobre uma dieta de sopa de ossos que foi amplamente criticada como sendo "perigosa". Paltrow insistiu posteriormente que passava muitos dias comendo "de tudo" e "batatas fritas".
Existe algo de tão absurdo sobre a imagem de Gwyneth Paltrow que parece quase transcender o desdém que seria esperado pela sua flagrante postura fora da realidade.
Para muitos, ela é uma caricatura do privilégio, que age de forma claramente distante da vida comum, e parece ter se tornado uma fonte de fascinação e diversão, até afetiva, considerando a quantidade de memes sobre seu testemunho durante o julgamento, espalhados pela internet através de plataformas como o TikTok.
Esses memes incluem as roupas escolhidas pela atriz, que levaram o The New York Times a declarar Paltrow como pioneira da moda dos tribunais – ou "courtcore", como foi batizada em inglês.
Ela adotou um ar que pode ser chamado de "sou cara": tecidos criados por designers com tons neutros da moda, uma corrente de ouro de US$ 65 mil (cerca de R$ 330 mil), uma bolsa Celine sem identificação da marca – o que só indica que é ainda mais cara que o artigo com a logomarca visível – e óculos de aviador de ouro da Gucci que chegaram a ser comparados com os do serial killer norte-americano Jeffrey Dahmer.
Todos esses acessórios fortaleciam a dramatização – e, para enorme satisfação dos usuários do Twitter, ela parecia exatamente uma mulher sendo julgada por crimes supostamente cometidos enquanto esquiava.
Seu avatar de mulher branca privilegiada – inconcebivelmente rica e extremamente concentrada em coisas que a maioria das pessoas nunca teria imaginado (alguém por aí já havia pensado em vaporizadores vaginais?) – é uma curiosa mistura de influências geracionais.
Nos anos 1990, sua personificação da magreza, prática de dietas e clara falta de autoconsciência deixou sua marca em meio a uma indústria do entretenimento que esperava pouco mais do que isso. E, no discurso implacavelmente crítico das redes sociais hoje em dia, muitas pessoas acham seu estilo tão exagerado que só pode servir para o entretenimento.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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