Música e videogames

A brasileira Raphaella Lima fala sobre a curadoria na EA Games

Em entrevista ao Correio, a brasileira Raphaella Lima, uma das responsáveis pela curadoria musical da E A Games, fala sobre o trabalho que fez nos últimos 20 anos

Pedro Ibarra
postado em 12/04/2023 10:16 / atualizado em 12/04/2023 10:30
 (crédito: DanielMattar/Divulgacao)
(crédito: DanielMattar/Divulgacao)

Existem pessoas que, nos bastidores, têm um poder impressionante por meio da arte. Gerações de jovens em todo o mundo, por exemplo, usam os videogames como lugares de formação de gostos, interesses e personalidade. Um ponto crucial é que os jogos digitais proporcionam muito mais que apenas o divertimento de ficar horas em frente à televisão. Eles podem ser um primeiro acesso de pessoas a novas culturas, principalmente por meio da música e das histórias contadas ou narradas.

No mundo musical, a EA Games é um dos maiores celeiros da atualidade no que diz respeito a boas curadorias. Uma das pessoas de bastidores que tem o poder sob essas escolhas musicais, responsável inclusive por moldar o gosto musical de muitos jogadores das franquias FIFA, The Sims, Madden e Need for speed, é a brasileira Raphaella Lima, apelidada pelos colegas de Raphi.

Nascida em Vitória, no Espírito Santo, Raphaella foi ainda nova para os Estados Unidos fazer faculdade. Apaixonada por música desde pequena, depois de formada, foi contratada pela EA Games, onde está há 21 anos, atua para as equipes que escolhem as músicas que entram nos jogos da produtora, uma das mais importantes dos Estados Unidos. Ela chegou aos EUA com um sonho e em 2003 começou ao caminho realizá-lo quando assumiu o FIFA ao lado da parceira Cybele Pettus na função de chefes globais de música e marketing da empresa.

Foi neste jogo em que tudo começou. "O FIFA foi o primeiro bebê. Eu estava começando na EA, era 2003", lembra a Lima. "O primeiro FIFA em que  trabalhei foi em 2004. Foi o primeiro com uma música brasileira, Já sei namorar dos Tribalistas, e o primeiro com a intenção de fazer uma curadoria musical global. Antes disso, o FIFA era muito europeu e britânico", acrescenta Raphaella.

O FIFA é uma das curadorias musicais mais conhecidas entre os jogos de videogame. Artistas de todo o mundo hoje querem estar entre as escolhas dos novos jogos de futebol da EA. Outros já entraram algumas vezes nas playlists e viram a carreira ganhar força graças ao jogo. Nomes como Two Door Cinema Club, Tame Impala, Gorillaz, Glass Animals, Blur, Muse e até brasileiros como Céu, Emicida, Gabriel O Pensador e, mais recentemente, Caio Prado foram parte dos 20 anos deste trabalho de Raphaella Lima e Cybele Pettus.

As duas chegaram no jogo com uma intenção clara. "Queríamos ser a nova rádio ou a nova MTV. Estava tudo meio que morrendo na época. Vimos uma oportunidade de expor novas músicas para uma audiência massiva e atenta", conta. Essa intenção era exatamente um caminho para que Raphaella fizesse o que sempre sonhou. "Quando  cheguei nos Estados Unidos para fazer faculdade, a minha intenção era criar uma ponte para que tudo de legal que rolava na música e entretenimento aqui nos Estados Unidos chegasse com qualidade no Brasil. Eu morava em Vitória, nada chegava lá quando eu era mais nova".

No início, o jogo chegou às mãos das profissionais por não ser um sucesso da produtora, mas elas ajudaram, por meio da música, a torná-lo um êxito. "Quando  olhei para o FIFA pela primeira vez,  vi o potencial que o jogo tinha. As pessoas podiam ouvir bem mais do que rock britânico. O futebol no Brasil vai soar diferente do futebol do Japão, mas vai ter semelhanças também", explica Lima. "A intenção é fazer a curadoria de um som que não importa a língua que você fala, você é capaz de captar. Você sente alguma coisa, assim como é o futebol. Há estudo, mas a escolha é muito pelo sentimento", completa.

Esse sentimento fisgou jogadores de todo planeta e criou o que pode tranquilamente ser rotulado como um gênero musical: as "Músicas do FIFA". "Foi um sonho realizado ver que o que estávamos fazendo no FIFA era realmente legal", recorda Raphi. O FIFA hoje tem uma das playlists mais populares do Spotify e é plenamente responsável por sucesso de artistas e por uma geração de jovens apaixonados por musica alternativa. Olhando com calma, festivais como Lollapalooza, Primavera Sound, Rock in Rio, Coachella e Glastonbury têm músicos que bombaram no FIFA do mesmo ano e mesmo com a mudança de nome do jogo, que se tornará EA Sports FC continuará muito influente. "Uma das coisas que eu mais tenho orgulho é de que esse meu trabalho moldou o gosto musical de muita gente", comemora.

Como funciona a trilha sonora do FIFA

A grande dúvida que fica é como é pensada a curadoria para cada jogo. No caso do FIFA, Raphaella explica que a ideia está na previsão do que vai fazer sucesso. "Nos jogos de esporte no geral a gente trabalha prevendo tendências. Pesquisamos e sempre esperamos encontrar músicas novas e grupos novos", explana.

Os jogos da franquia lançam sempre um ano a frente, portanto, no final de um ano, já é lançado o do ano seguinte, principalmente para seguir o calendário do futebol europeu, que funciona de agosto a junho, e não de janeiro a dezembro. Essas previsões deram muito certo, com algumas das músicas "do FIFA" alcançando o topo das paradas e sucesso internacional. O caso mais recente foi Heat waves, da banda Glass Animals, que foi sucesso absoluto entre 2020 e 2021 e rendeu até indicação ao Grammy para o grupo.

A diversidade é um ponto muito importante do processo. A intenção é que o jogo conquiste os jogadores de diversos países pelo coração. "Eu sou aquela pessoa que quando estamos montando peço referências da música africana, peço minhas músicas latinas. Vou cobrando coisas no processo para ter certeza que aquela representação existe, temos a intenção de ser o mais diverso possível sem perder", explica. "A diversidade é o que fez o FIFA é o que faz o FIFA é o que eu tento levar para tantos outros jogos. Mostrar mundo diferentes é o meu trabalho", complementa.

Contudo, o mais importante está no extenso trabalho de ouvir música o tempo inteiro para encontrar nestas canções algo a mais. "A gente escuta muita música. São milhares e milhares para chegar nas 100 finais de cada jogo", afirma Raphi. "Inconscientemente ou não, acho que cada jogo conta uma história. Tem um corpo musical e de mensagem que é conectado e único de cada jogo. Uma história que aparece na nossa cabeça. Nós, como pessoas e artistas, sabemos o que é real, não basta colocar só uma sequência de musiquinhas ali. Tem que ter uma história", expõe a artista que sabe muito bem classificar o trabalho que fez no jogo: "O estilo de música do FIFA eu chamo de música boa". 

 


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  • Raphaella Lima moldou gostos musicais em todo o mundo
    Raphaella Lima moldou gostos musicais em todo o mundo Foto: Arquivo Pessoal
  • Raphaella Lima e Cybele Pettus, responsáveis 
pelas trilhas sonoras 
dos jogos da EA Games
    Raphaella Lima e Cybele Pettus, responsáveis pelas trilhas sonoras dos jogos da EA Games Foto: Fotos: Arquivo Pessoal; Elliot Arndt/Divulgação; Reprodução/You Tube; DanielMattar/Divulgacao; Google/Reprodução; Google/Reprodução e Instagram
  • Gorillaz
    Gorillaz Foto: Instagram
  • Anitta
    Anitta Foto: Reprodução/You Tube
  • Emicida
    Emicida Foto: Julia Rodrigues/Divulgacao
  • Banda Glass Animals
    Banda Glass Animals Foto: Elliot Arndt/Divulgação
  • The Strokes.
    The Strokes. Foto: Google/Reprodução

As melhores do FIFA

A curadoria de Raphaella e Cybele é de respeito, mas o Correio também está por dentro das músicas que fizeram sucesso no FIFA. Confira a lista das escolhidas pelo Correio como as melhores que já tocaram no jogo:

Só tem jogador - Macacko, BlocoBleque, Gabriel O Pensador e Tiago Mocotó
Love me again - John Newman
Kids - MGMT
Levanta e anda - Emicida e Rael
Young folks - Peter Bjorn and John
Machu Picchu - The Strokes
Já sei namorar - Tribalistas
Down by the river - Milky Chance
Purple, yellow, red and blue - Portugal. The Man
Heat waves - Glass Animals

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