ESTRELA DO ROCK

Pitty traz show de 20 anos do álbum 'Admirável Chip Novo' para Brasília

Em entrevista exclusiva ao Correio, a cantora e compositora baiana faz um balanço dos últimos 20 anos da carreira e a ressignificação do álbum

Francisco Artur
Anajú Tolentino
postado em 08/04/2023 06:00
 (crédito: Francisco Artur/CB)
(crédito: Francisco Artur/CB)

Em 7 de maio de 2003, a música brasileira trouxe os holofotes a uma cantora baiana que destoava da premissa do axé music e mostrou que Salvador também é terra de  rock'n roll. Agora, Priscilla Novaes Leone, conhecida pelo nome artístico de Pitty, celebra 20 anos do disco Admirável chip novo, que a tornou conhecida nacionalmente. Com referência à ficção Admirável mundo novo, de  Aldous Huxley, o álbum aborda a mesma ideia do livro: uma sociedade manipulada pela tecnologia em meio a um cenário distópico.

O disco de estreia de Pitty tinha 11 faixas compostas pela própria autora e apresentou canções que marcaram uma geração, como Máscara, Teto de Vidro, Equalize e Semana que vem. Em um cenário onde os homens dominavam a cena cultural, ainda mais no rock brasileiro, Pitty ganha o destaque merecido. Afinal, quem passou ileso ao ouvir tantos hits da roqueira nos últimos 20 anos, que atire a primeira pedra.

A roqueira soteropolitana resgata, sempre que possível, a força da sua música, mesmo com "as transformações musicais intensas nesses 20 anos", como a própria cantora afirma, em entrevista ao Correio. Na conversa, Pitty também fala sobre pesquisas, experimentações e aprendizados ao longo dessas duas décadas. "Muita coisa passou e eu fui me aprimorando na arte de compor, sempre tentando evoluir a cada disco em termos de sonoridade, de pesquisa, de experimentação musical, de não se contentar em fazer sempre o mesmo. Essa característica está em meu DNA", contou Pitty.

Para simbolizar esse ciclo de evolução e ressignificados, Pitty traz a Brasília uma turnê especial de comemoração aos 20 anos do Admirável chip novo. A capital federal será contemplada com esse circuito, hoje, durante o festival Rock Popular Brasileiro, que ocorre no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Além da cantora baiana, que será a última atração a subir ao palco, o Rock Popular Brasileira apresentará shows de Marcelo Falcão, Frejat, Humberto Gessinger e das bandas Charlie Brown Jr. e Biquíni.

"Minha relação com Brasília é muito profunda, porque cultivei um costume de ir aí, independentemente de fazer shows. Em Brasília, eu já discotequei em festas como DJ e também já frequentei alguns eventos", observa Pitty. Sobre as expectativas para a apresentação de hoje à noite, Pitty confessou ainda ter dúvidas de como "simbolizar" o seu retorno a Brasília para celebrar as duas décadas do Admirável chip novo. No entanto, a certeza para a artista é a de que o fato de subir ao palco do Rock Popular Brasileiro significará um momento de entrega. "Vou deixar um pedaço da minha alma ali, me conectando com as pessoas que estão de forma verdadeira, não de forma demagógica. É de fato uma celebração e tanta, vai ser massa", reitera.

Cinco perguntas// Pitty

As transformações musicais nesses 20 anos foram intensas. O que você diria para a Pitty de 20 anos atrás?

Eu diria pra Pitty de 20 anos atrás "só vai", porque, é claro, muita coisa ali e muitas decisões foram tomadas na base da intuição, do que eu sentia de fato, do que eu achava que eu deveria ser, porque experiência eu ainda não tinha, mas havia essa intuição e essa visão de certa forma, de que caminho gostaria de trilhar. Eu não sabia exatamente as consequências de cada decisão. Eu só podia imaginar naquele momento e apostar, que foi o que eu fiz. Muitas apostas nas coisas que eu intuía e acreditava, e continuo fazendo isso. Então eu diria: "só vai".

Você compôs as canções do Admirável chip novo em um quartinho com decoração lisérgica nos fundos de sua casa. Como foi o processo de composição à época e como a Pitty de hoje equaliza as ideias para transformá-las em música? Também ocorre em um cantinho com decoração lisérgica?

Na verdade, era o lugar que eu tinha, né? Era minha opção de comunicação. Eu não tinha outra opção. Eu não tinha outro lugar pra ir. Eu morava numa casa pequena com os meus pais e quando o meu irmão nasceu, como só tinha um quarto disponível, ele ficou no quarto e  fui pra esse quartinho dos fundos. E, para mim, foi ótimo. Na verdade, eu não encarei isso de nenhuma forma ruim, foi o espaço que sobrou para mim e transformei aquele lugar no meu lugar, do meu jeito. E, então, não importava muito com tamanho, porque eu estava muito para dentro, nesse processo interno das composições e de colocar isso no papel. Foi ótimo. Hoje, sou muito grata a esse quartinho.

Aconteceu desse jeito e o meu processo de composição foi mudando ao longo do tempo, obviamente, porque os espaços vão mudando, o tempo da gente vai mudando. Então, hoje sou mãe, tenho outros compromissos, na vida, a maternidade, a minha casa, a minha família e tudo na minha própria saúde física e mental. Então tudo isso se coloca também na rotina, mas  continuo escrevendo aleatoriamente, como sempre fiz nos diários e era o que já acontecia na época.

Sempre tenho um caderno e caneta como grandes aliados, para pensamentos e sensações. E continuo recorrendo a isso. Mas, hoje,  preciso separar um tempo para compor. Então assim, quando  for fazer um disco,  vou entrar nesse processo de forma consciente, porque dentro da rotina da vida que  levo hoje, indo para a estrada todo fim de semana e durante a semana, tendo todas essas funções que falei,  preciso separar um momento para isso acontecer.

Com o peso do tempo também tem o peso das canções, como você busca encaixar o significado delas no decorrer da sua carreira?

O que mais me surpreendeu nesse processo de celebração dos 20 anos do chip novo foi justamente esse aspecto de perceber, através principalmente do olhar das pessoas, o quanto essas canções dialogam com agora, talvez até mais do que na época. E isso foi muito surpreendente. Foi muito interessante de perceber, porque eu nem estava numa energia de comemorar os 20 anos, mas  fui vendo as mensagens e as pessoas começaram a me escrever sobre as letras e sobre como aquilo tinha se refletido em determinado comportamento na vida delas, ou de como essa ou aquela letra se aplica hoje na contemporaneidade. Eu sou muito grata às pessoas por terem me mostrado isso. Talvez não tenha percebido, porque  não costumo ficar revisitando as minhas próprias coisas. E aí me deu vontade de celebrar o fato de que, mesmo que o tempo tenha passado, essas músicas tenham se mantido atuais e coerentes.

Ainda sobre ressignificados, você pretende alterar a letra de alguma das 11 músicas do disco?

Eu tenho feito isso algumas vezes,  de algum tempo pra cá, inclusive, porque é engraçado, né? As canções e as ideias continuam atuais, mas a linguagem em alguns aspectos mudou. Hoje, a gente tem consciência sobre as maneiras de se referir, as formas de falar com o outro e as expressões que, claro, há 20 anos, a gente não tinha evoluído nesse aspecto. Então,  acho que isso acontece com muitas bandas. Eu, particularmente na minha obra, sempre tive, mesmo que de forma intuitiva, uma consciência sobre essa questão de gênero, mas não vou alterá-las. Elas estão bem hoje, fazem parte da linguagem adequada.

Trazer essa turnê para Brasília tem um peso, ainda mais por ser o começo da turnê, também. Como estão os preparativos e expectativas?

Eu estou muito feliz de ir para Brasília com essa turnê, eu tenho uma relação massa com a cidade. Acho que  já comentei isso algumas vezes em entrevistas. Eu tenho uma relação com Brasília muito afetiva, e que começa bem antes da minha carreira solo. Foi no underground trocando fitas demo na época e, depois, com as bandas de Brasília, com a cena de Brasília, que ali nos anos 1990,  com a cena de outros estados, de outras cidades, foi muito importante no underground, no alternativo que foi de onde eu vim, né? E eu tinha minha banda de hardcore, fazia parte dessa cena do underground e fui para Brasília algumas vezes antes de lançar meu disco solo, para participar de disco do DC, para festivais, enfim. Eu sempre curti muito a cena de Brasília, sempre entendi as bandas e sempre gostei do que via sair desse concreto. A gente tem grandes bandas na história do rock nacional que são de Brasília, e não à toa, acho que as composições têm muito a ver com o ambiente da cidade. Então estou muito feliz de chegar aí, e muito grata de poder passar por aí com a turnê do chip novo. Vai ser muito significativo para mim.

*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco


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