Pedro Aguiar era um menino de 11 anos que brincava nas ruas de Sobradinho e que se transformou num dos grandes violonistas clássicos brasileiros, principalmente depois de ganhar o prestigiado Concurso Internacional de Guitarra Alhambra, na cidade espanhola de Valência. Sim, ele foi o primeiro a realizar esse feito na terra dos grandes violonistas. "É um concurso extremamente exigente e que atrai violonistas de todo o mundo", destaca ele ao Correio. Morando na Alemanha, Pedro, hoje com 32 anos, tem uma agenda de concertos lotada. "São aproximadamente 70 concertos por ano em diferentes formações e em vários países como EUA, Alemanha, França, Espanha...", ressalta, o violonista, que mantém a paixão pelo judô e não se esquece do começo da carreira na Escola de Música de Brasília.
Como o violão entrou na sua vida? Queria ser roqueiro, como tantos garotos de sua geração?
É verdade, o rock teve um papel fundamental de despertar o meu interesse pelo violão, e depois de uma série de "equívocos" cheguei à música de concerto. Quando tinha 11 anos, meu primo e guitarrista, Sherman Aguiar, estava aprendendo alguns solos de obras do Iron Maiden, Metallica, Nirvana e também de grupos nacionais, principalmente do Legião Urbana. Eu fiquei fascinado com o som do instrumento e com a capacidade de reproduzir o que se escutava no rádio com as próprias mãos. Ele me ensinou as primeiras músicas, mas eu não tinha um instrumento para praticar em casa. No meu aniversário de 12 anos, meu padrinho me deu um violão de presente e, em seguida, minha mãe entrou em contato com o professor Maurizio Martins, no Teatro de Sobradinho, que me perguntou se eu queria aprender a tocar violão clássico ou violão popular e, ao indagar meu primo sobre o que seria melhor para tocar os solos das bandas de rock, ele me disse para aprender violão clássico para desenvolver a parte técnica. Ao começar o curso fui me deparando com obras lindíssimas que nunca havia ouvido e fui ficando cada vez mais imerso na música clássica e deixando o rock de lado.
Quantos prêmios internacionais você já ganhou? Quais foram os mais relevantes para você?
Eu recebi mais de 15 prêmios internacionais em diferentes países: Alemanha, Áustria, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, Itália, Portugal e Uruguai. Todos os prêmios foram muito importantes, mas dois têm um significado especial: o Concurso Souza Lima, de 2006, em São Paulo; e o Concurso Alhambra, de 2018, em Valência, na Espanha. O Concurso Souza Lima é o mais tradicional do país e foi o primeiro concurso do qual participei. Ele era organizado pelo grande violonista Henrique Pinto, que foi professor de violonistas famosos brasileiros como Fábio Zanon, Eduardo Meirinhos, entre outros. Eu tinha 16 anos e era a primeira vez que viajava a São Paulo. Nessa época, estudava na Escola de Música de Brasília (EMB) e a Associação de Pais financiou minha passagem aérea para participar do concurso. Como não tinha recursos financeiros para me hospedar num hotel, dormi numa das salas de aula do Conservatório Souza Lima. Ao ver o nível dos outros candidatos, eu não pensava receber um prêmio e muito menos o 1º lugar. Um violão construído pelo luthier Sergio Barbosa foi parte da premiação e, em seguida, recebi o convite para realizar meu recital de estreia na Sala Levino de Alcântara, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília de 2007.
Você começou com a música quando tinha 12 anos, ao entrar na Orquestra de Violões de Sobradinho. Como era a rotina do menino Pedro e como você conciliava os estudos de violão?
Eu adorava a Orquestra de Violões de Sobradinho, aprendi tanto, fiz amigos para vida inteira e tive contato com pessoas muito diferentes que se juntavam para tocar violão. Contávamos várias histórias, aprendíamos um repertório que ia de Ennio Morricone a Luiz Gonzaga, tocávamos regularmente em diferentes eventos da cidade, em asilos, hospitais. Antes de começar a tocar na Orquestra de Violões, eu praticava judô todas as tardes entre 14h e 18h no Sesi de Sobradinho. Infelizmente, meu professor de judô foi afastado e eu precisava de alguma atividade para preencher esta lacuna. Como os ensaios da Orquestra de Violões ocorriam só duas vezes por semana, eu perguntei ao professor Maurizio se poderia assistir as aulas dos outros alunos e se eu podia praticar em algum lugar no teatro. Ele disse que não tinha problema, a partir de então, assistia várias aulas e praticava durante os intervalos. Um dos alunos, Carlos Marconi, tocava várias obras avançadas, principalmente valsas do Dilermando Reis como Se ela perguntar, Noite de lua, Marcha dos marinheiros e também Adelita, Capricho árabe, entre outras obras de Francisco Tárrega. Aprendi muito durante essas aulas.
Você realizou um grande feito ao ganhar o XIV Concurso Internacional de Guitarra Alhambra de Valência. Foi a primeira vez na história que um brasileiro ficou em primeiro lugar na competição. Como foi essa disputa? Você enfrentava concorrentes frente a frente?
O concurso foi realizado em Valência e foi dividido em três fases, sendo a última com apenas quatro concorrentes. Em cada fase tem uma obra obrigatória que todos os participantes devem executar, além de um programa livre. Como esse concurso é um dos poucos que, além da premiação em dinheiro, organizam uma turnê, convidam para fazer o concerto de abertura da próxima edição e o mais importante, permitem o lançamento de um álbum pela Naxos, a maior gravadora de música clássica do mundo. Por isso é um concurso extremamente exigente e que atrai violonistas de todo o mundo, nesta edição, por exemplo, o segundo colocado era japonês e o terceiro mexicano. Nós não nos enfrentávamos frente a frente como no filme A encruzilhada, mas alternadamente em pequenas apresentações individuais.
Quando foi que decidiu morar na Europa?
Na época em que morava em Goiânia e cursava o bacharelado em música, outros estudantes e eu criamos uma Associação de Violão, a Govio, que organizava mensalmente um recital e uma aula com violonistas locais e internacionais. Um dos convidados foi o professor francês Judicaël Perroy, um dos mais renomados professores da Europa. Tive uma aula com ele e o professor me convidou para estudar em Paris, mas ele disse que infelizmente a França dificilmente concedia bolsa de estudos para estudantes estrangeiros. Em 2011 ganhei dois concursos importantes, o Vital Medeiros e o de Mar del Plata, com o dinheiro do prêmio decidi ir a Paris.
Por que instrumentistas como você precisam sair do país em busca de reconhecimento? Falta apoio do governo? É difícil viver de música no Brasil?
Eu precisei sair do Brasil para poder continuar me desenvolvendo musicalmente. Em 2011, havia ganhado os concursos mais importantes do país e era o momento de dar um passo adiante. Na Europa se encontram os maiores especialistas de música clássica do mundo, grandes concursos, várias orquestras e oportunidade de trabalho. Certamente as bolsas de estudos do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD) e da Fundação Yehudi Menuhin tornaram minha vida de estudante muito mais fácil, enquanto no Brasil, durante os meus estudos, tinha que dar várias horas de aula, ter o apoio da minha família para poder pagar aluguel, investir em um bom instrumento, comprar cordas, partituras... Se houvesse apoio do governo, a grande maioria estaria no seu país.
Compositores brasileiros, como Sergio Assad, Guinga, Villa-Lobos, Radamés Gnattali e César Guerra-Peixe são bem vistos no exterior. Há algum preconceito com a chamada "escola brasileira"? O que nos diferencia deles?
Certamente esses compositores são vistos como "exóticos" e, infelizmente, raramente figuram nos programas das grandes orquestras da Europa. No entanto, em relação ao violão, a escola brasileira é respeitadíssima, todos os compositores que você citou estão presentes nos programas de concertos, aparecem constantemente como obras obrigatórias em concursos.
O que você projeta para frente? O clássico pode se encontrar com o popular em algum trabalho futuro?
Minha carreira segue crescendo e estou muito feliz com os projetos inovadores e concertos aos quais tenho sido convidado. São aproximadamente 70 concertos por ano em diferentes formações e em vários países como EUA, Alemanha, França, Espanha... O violão clássico está em constante diálogo com a música popular pela própria origem do instrumento. Pretendo seguir buscando tocar diferentes obras com os mais variados instrumentos, como o duo com a marimbista japonesa Ria Ideta, integrante da Ópera de Câmara de Munique.
Quais professores marcaram sua trajetória? E por quê?
Todos os meus professores foram importantíssimos em cada etapa da minha vida. Maurizio Martins pela parte da descoberta musical, a professora Cida Alvim, pelo desenvolvimento técnico e disciplina; Eduardo Meirinhos pela projeção sonora e pelas grandes obras trabalhadas; Judicael Perroy, por me mostrar uma nova maneira de pensar sobre música; e Franz Halasz, por me preparar para concertos difíceis em pouco tempo.
Quais lembranças você tem da Escola de Música de Brasília?
A EMB foi minha segunda casa por vários anos. Em 2021 realizei um grande sonho de ser um dos professores do curso de violão e pude contribuir com alunos de várias partes do país.
Você está preparando um disco novo?
Eu gravei um novo CD que será lançado em breve na França. O repertório é uma homenagem aos Les années folles em Paris, com obras de Villa-lobos, Manuel de Falla, entre outros. Meu único disco publicado até agora foi o Brazilian guitar music, lançado pela Naxos em 2020. Pode ser ouvido em todas as plataformas digitais de streaming. No meu site pedroaguiarguitar.com pode encontrar todos os links para ouvir esse CD. Fiquei muito feliz com as críticas desse trabalho e por ter sido escolhido um dos 30 melhores álbuns de 2020 pela WQRX, estação de rádio de musica clássica de Nova York.
Judô e violão combinam? Por quê?
Judô significa caminho suave, o que de alguma maneira assemelha-se ao violão. Em ambas atividades, não se obterá o melhor resultado com o uso da força, mas sim com a execução exata e a flexibilidade do movimento. Para mim, a combinação dessas duas artes é uma busca pelo equilíbrio entre corpo e mente.
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