Na tarde do dia 17 de fevereiro de 1973, Alfredo da Rocha Vianna Filho,o Pixinguinha, estava na Igreja Nossa Senhora da Paz, no Rio de Janeiro, onde iria batizar o filho de um amigo, quando sofreu um enfarte fulminante, que o levou ao óbito, aos 75 anos. Era carnaval e, naquele momento, a banda de Ipanema que passava pelo local, parou e tocou Carinhoso, o grande clássico da obra do genial músico, compositor e arranjador.
Cinquenta anos depois, o artista carioca volta a ser homenageado com o lançamento do projeto Pixinguinha como nunca, que reúne quatro álbuns com produção e direção musical do cavaquinista, arranjador e pesquisador Henrique Cazes.
Pixinguinha compunha compulsivamente. Com profundo conhecimento da tradição do samba e do choro, Pixinguinha, foi ao longo da vida, um modernizador constante nos campos da forma e da harmonização, aperfeiçoando a linguagem de contraponto popular, sofisticada e virtuosística. Esse precioso acervo atualmente está sob os cuidados do Instituto Moreira Salles (IMS).
Ao realizar o inventário das composições inéditas em gravação e edição impressa, uma equipe instituída pelo IMS encontrou 50 composições — um tesouro constituído por obras de diferentes fases da trajetória artística do compositor. O projeto Pixinguinha como nunca traz ao público esse acervo em quatro discos, com direção artística do cantor e ator Marcelo Vianna, neto e pesquisador da obra do avô. A parte gráfica tem a assinatura da artista Solange Escoteguy. O lançamento é da gravadora Deck.
O primeiro álbum, Pixinguinha virtuose, lançado no começo de fevereiro, mostra obras de grande virtuosismo. Ao mesmo tempo, houve o lançamento do videoclipe de Saudades de Cafundá, gravado em estúdio, dirigido e editado por Luciana Andrade. As gravações foram feitas pelo sexteto formado por Carlos Malta (flauta e sax), Silvério Pontes (trompete), Marcelo Caldi (sanfona), Marcos Suzano (percussão), João Camarero (violão de 7 cordas) e Henrique Cazes (cavaquinho), além de Marcelo Vianna, que recita versos de Moacyr Luz.
Pixinguinha na roda é o segundo disco da série."Se eu precisasse escolher apenas uma palavra para resumir a grandeza de Pixinguinha, escolheria, sem pestanejar, fluência.Tudo em sua música flui, balança e se comunica", ressalta Cazes". Ele acrescenta: "Pixinguinha na roda reúne algumas das mais comunicativas melodias dentro da coleção de inéditas. Em breve, o repertório desse álbum estará circulando nas rodas de boteco".
Entrevista // Henrique Cazes
Quando teve o interesse despertado pela obra de Pixinguinha?
Meu interesse pela obra de Pixinguinha começou na juventude, ao ler o depoimento do maestro Guerra Peixe para o livro Filho de Ogum, Bixiguento, de Marília Trindade Barbosa. Ele dizia que todo arranjador brasileiro deveria ter Pixinguinha como ponto de partida. Levei aquilo muito a sério e cheguei a brigar com meu professor, que me ensinava arranjo pelo modelo norte-americano, pela escola de Boston. Hoje em dia, percebo que o caminho que escolhi era muito rico.
Quais foram as fontes de pesquisa para descobrir composições inéditas do mestre do choro?
Obviamente que, para a gravação dos discos, foi importante contar com a lista das 50 composições inéditas, não gravadas e não editadas, selecionadas do acervo da obra do mestre por comissão criada pelo Instituto Moreira Salles. Foi a partir daí que começou o meu trabalho, pois não fiz parte da comissão. Tenho a esperança de levar ao público um produto artístico atraente, contemporâneo no século 21.
O que considera mais relevante no material descoberto?
Este material inédito confirma uma suspeita: Pixinguinha foi o grande mestre do choro que atingiu a perfeição, um domínio de forma próximo ao conseguido por Bach em Prelúdio e fuga. Pixinguinha foi um criador ao longo de toda a vida, desde a juventude até o fim da vida, quando escrevia com a letra tremida. Sua verve de compositor reverbera em vários universos musicais com que ele conviveu, seja no Rio de Janeiro, Nordeste, Buenos Aires ou Paris.
O Marcelo Vianna teve que importância na realização deste projeto?
Fui amigo do Alfredinho, filho de Pixinguinha e pai de Marcelo. Ele abriu o arquivo do mestre para mim. Ele tinha noção de que aquilo era algo muito grande para ser administrado por uma só pessoa, pois precisava sobretudo ser valorizado, até porque, para ele, Pixinguinha era uma figura mitificada e de certa forma pouco compreendida e valorizada, como músico, compositor e o primeiro arranjador brasileiro. Acho que, por conta do racismo havia uma dificuldade de ver um artista negro como uma pessoa inteligente, estruturada. Era mais fácil vê-lo como espontâneo, um improvisador.
O show Pixinguinha como nunca, visto no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, em 2021, foi a gênese dos discos que estão sendo lançados?
O Pixinguinha como nunca deu o pontapé inicial de um projeto que prosseguiu com a gravação dos discos, com a parceria da Deck. Estamos colocando no mundo algo precioso da obra de um gênio da música brasileira.
Do que foi pesquisado e utilizado na produção dos álbuns, o que considera de maior valor histórico?
O pacote é bem diversificado. Pela longa experiência que tenho, como produtor de discos, como Pixinguinha de bolso, Pixinguinha para criança, Pixinguinha, o gênio brasileiro, além da Orquestra Pixinguinha, destaco o álbum Pixinguinha Canção, com melodias que receberam letras de Arnaldo Antunes, Moacyr Luz, Nei Lopes, Oswaldo Simões, entre outros. Tudo, gente de primeira linha.
Na sua avaliação, qual é a importância de Pixinguinha para a música brasileira?
Para resumir a importância de Pixinguinha para a cultura brasileira, recorro ao crítico Ary Vasconcelos, que dizia: ‘Se você tem 15 volumes para escrever sobre música brasileira, são muitos assuntos. Se for apenas uma palavra, escreva Pixinguinha’.