Cinema

Visão das mulheres é a base da 3ª Mostra de Cinema Árabe Feminino no CCBB

A curadora destaca contrastes da mostra: enquanto ‘Levante como uma garota’ trata de um time de atletas buscando competir nas Olimpíadas, ‘My girl friend’ mostra como o papel de gênero interfere diretamente na forma que a pessoa é vista e tratada

Ricardo Daehn
postado em 29/03/2023 06:00 / atualizado em 29/03/2023 11:58
Cena do filme The hour of liberation has arrived -  (crédito:  Heiny Srour/Divulgação)
Cena do filme The hour of liberation has arrived - (crédito: Heiny Srour/Divulgação)

A visão surreal da Nova York tateando o início da recente pandemia (no filme 2 lagartos), um arranjado casamento sudanês (objeto da trama de Al-Sit), o registro de importante trabalho assistencial feminino (no curta Todas as noites) e a ostentação de uma performance masculina em Jerusalém (que integra o filme Abençoado abençoado esquecimento) — todas essas premissas de filmes selecionados na programação da 3ª Mostra de Cinema Árabe Feminino (no CCBB) partem de visões de mulheres inseridas em contexto árabe. Com 34 obras, o evento tem entrada franca, e prossegue até 16 de abril, revelando vertentes de cinema do Egito, Líbano, Palestina, Sudão, Iêmen, Síria, Argélia e Marrocos.

"Certamente, o machismo estrutural perpassa estas sociedades e traços de opressão estão presentes em diversos momentos, em filmes como Nezouh, Souad e A guerra de Miguel. São registros que complexificam sociedades em que mulheres vivem, realizam e crescem", aponta Analu Bambirra, curadora do evento, ao lado da egípcia Alia Ayman e de Carol Almeida. Citando Paulo Emilio Sales Gomes, que, definiu que a cinematografia hindu, árabe e nacional nunca se descolou do subdesenvolvimento, Carol aponta a importância "do fazer cinema" na contra-narrativa, "contra a sistemática redução da complexidade do que, por exemplo, significa ser brasileiro ou ser árabe". E revela que alguns dos inquietantes filmes selecionados relativizam uma "suposta alteridade" que, naturalmente, seria levada em conta por espectadores mais desavisados. Em muito, os filmes derivam de complexos "processos de colonização". A Zerda e os cantos do esquecimento, filme argelino de Assia Djebar, traz parte deste recorte de violência sofrida na colonização.

"Os efeitos do imperialismo e da colonização europeia no mundo árabe são sentidos até hoje, com sequelas e conflitos recorrentes, muitos financiados pelo Norte Global para que estas sociedades não prosperem e não tenham tantos avanços políticos, econômicos e sociais. Nessa perspectiva, o filme da libanesa Heiny Srour The hour of liberation has arrived (1974), integrado à mostra, e que revela um levante contra o sultanato de Oman, traz atualidade", ressalta Analu Bambirra.

Tensão

Num pacote de curtas que revelam a arte fortalecendo um luto materno e ainda avançam pela tensão cotidiana na Faixa de Gaza, despontam A janela (de Sarah Kaskas) e Deixe meu corpo falar (de Madonna Adib), com personagens lésbicos. "É importante ressaltar que cada país árabe é um caso, com casos de maior tolerância (à homossexualidade). Não são contextos simples de aceitação. A depender do quão aberto cada país é em relação a filmes queer, as realizadoras e produtoras buscam formas de exibir seus filmes nestes países, de modo público ou privado, em festivais grandes ou em circuitos 'underground'. Sabemos que A janela foi, sim, exibido no Líbano, mas em lugares privados, num circuito de organizações feministas e ONGs", explica Analu Bambirra.

A curadora destaca contrastes da mostra: enquanto Levante como uma garota, mesmo com machismo, trata de um time de mulheres atletas buscando competir nas Olimpíadas, "com sociedade egípcia que as celebra e apoia"; noutra via, My girl friend mostra como o papel de gênero interfere diretamente na forma que a pessoa é vista e tratada, "diminuindo as mulheres a objetos". Na programação de hoje, depois de Hora das notícias, de Azza El Hassan (às 19h15), haverá, às 20h30, exibição de Trilogia: Vida na CAPS, na qual, a marroquina Meriem Bennani, dona de um cinema estritamente visual, traz um fictício futuro em ilha que desafia a ação de vigilância de tropas norte-americanas. Nesta quinta-feira (30/3), às 20h, será a vez de Souad (de Ayten Amin), detido na contraditória postura de uma egípcia frente às redes sociais e ao dia a dia da vida real.

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