Música

O talento feminino de Brasília estreia no Theatro Municipal do Rio

A pianista Ligia Moreno e a maestra Mariana Menezes, ambas formadas pela Universidade de Brasília, abrem a temporada da OSB no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em programa dedicado às mulheres

Nahima Maciel
postado em 04/03/2023 00:01 / atualizado em 04/03/2023 20:27
 (crédito: Divulgação)
(crédito: Divulgação)

Ligia Moreno era uma menina de 13 anos quando recebeu, de presente da fábrica Essenfelder, um piano novinho. A proprietária ficou tão impressionada com o talento da garota que mandou o instrumento para Ceilândia, onde a adolescente morava na época. Na mesma idade, Mariana Menezes decidiu montar um coral. Estudante de flauta desde os 10, achou que era hora de reger e reuniu as vozes necessárias para isso. Nunca mais largou a batuta, assim como Ligia nunca mais ficou longe do piano. As duas sobem ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro hoje, pela primeira vez, para estrear a temporada da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), que começa o ano com o programa Mulheres na música. À frente da formação, as duas dão conta de um repertório denso para celebrar a presença feminina na música erudita brasileira.

A história das mulheres na cena clássica brasileira pode até ser considerável — as pioneiras Chiquinha Gonzaga e Branca Bilhar que o digam —, mas é bastante desconhecida. "Não somos tão poucas, somos poucas ativas que estão tendo oportunidade de fazer o trabalho. O mercado ainda está começando a receber mulheres maestras", explica Mariana que, aos 34 anos, desponta como uma das grandes promessas da regência no Brasil. Formada pela Universidade de Brasília (UnB), mineira de Uberaba, ela já regeu a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Orquestra Sinfônica Municipal (do Theatro Municipal de São Paulo), a Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), da USP (Osusp), a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e a Sinfônica do Theatro da Paz, de Belém. Mariana também é regente associada da Filarmônica de Goiás. É um currículo e tanto para uma musicista tão jovem, que chega aos palcos num momento muito especial da profissão.

Primeiro, Mariana trata de explicar que maestrina é termo em desuso. Em espanhol, é um diminutivo usado para designar uma professorinha. Hoje, a palavra correta no meio é maestra. "Em todas as orquestras a gente já encontra as pessoas usando o termo correto. Mas somos ainda desbravadoras, enfrentamos muita coisa para conseguir estar numa temporada, para entrar no mercado, para conseguir respeito de músicos para que aceitem suas soluções", conta. "Em qualquer setor a gente ainda vê muitos problemas em relação à mulher na posição de chefe, mas na música isso é um pouco mais problemático porque ela mexe com as pessoas por dentro, com o orgulho, o ego. Você está ali fazendo aquele trabalho, dando o seu melhor, e chega uma mulher te mandando fazer diferente. Não é fácil."

Mariana escolheu a regência porque ficou encantada com a capacidade de uma única pessoa transbordar uma visão musical para um punhado de instrumentistas. Para o programa da OSB, ela vai conduzir três peças importantes. A primeira, Sem fronteiras, é uma composição de Clarisse Assad, pianista e compositora carioca, sobrinha de Badi Assad. "É uma obra que contém ritmos e melodias que vêm de culturas latinoamericanas e também da América Central, é um encontro de várias culturas que se fundem em ritmos diferentes. Tem experimentação com vozes, experimentação corporal", descreve a maestra, que também vai reger Scheherazade, do russo Nikolai Rimsky-Korsakov.

Peça monumental

Para encerrar o programa, está o Concerto para piano nº 3, de Serguei Rachmaninoff, tocado pela brasiliense Ligia Moreno. Também formada pela UnB, a pianista de 39 anos carrega uma bagagem de mais de 20 prêmios em concursos de piano, incluindo o primeiro lugar no Grieg-Nepomuceno de 2006, e experiência como solista à frente das maiores orquestras brasileiras. Nesse currículo entram as sinfônicas Brasileira, da Bahia, e de Porto Alegre, e outras da França, Dinamarca, Noruega e Espanha. Essa será a primeira vez que Ligia toca no municipal e como solista do nº 3 de Rachmaninoff, uma peça monumental, com mais de 16 mil notas organizadas em várias camadas melódicas muito sofisticadas.

Na literatura pianística, esse concerto está entre as mais complicadas no quesito grau de dificuldade. O desafio técnico é imenso, a obra é muito grande, com cerca de 40 minutos, e exige bastante resistência, maturidade e calma. "São muitas notas e é fácil acabar se perdendo, querendo fazer tudo com a mesma intensidade", explica Ligia. "São melodias muito grandes e, ao mesmo tempo, muitas texturas, com melodias mais ocultas, contrapontos. É muito fácil se perder e ressaltar muitas coisas ao mesmo tempo, tirando a clareza. Se a gente quiser mostrar muitas coisas, fica não palatável, fica over pra quem está assistindo."

Considerado um romântico tardio, Rachmaninoff é muito envolvente, com melodias diabolicamente elaboradas e, ao mesmo tempo, muito profundas e dramáticas. "É uma música que fala, não precisa acrescentar tanta coisa, é só não atrapalhar, se ausentar um pouco, deixar o compositor mostrar e não ficar querendo dar sua pitada", acredita Ligia, que já tocou em salas nobres como a Cecília Meireles e está na expectativa da estreia no Municipal do Rio. "É um lugar maravilhoso, só ouço falar bem das questões acústicas, da experiência do palco", diz.

Ligia e Mariana se conhecem bem desde os tempos de UnB, mas nunca haviam subido juntas ao palco. As duas representam uma geração de musicistas de Brasília cujo talento tem chamado atenção dos palcos nacionais e internacionais na música erudita.

 

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