Em cartaz atualmente em Brasília, em salas seletivas como o Espaço Itaú de Cinema e o Cine Brasília, o longa em animação Perlimps, que trata de uma crise na floresta capaz de ser bloqueada com a ação de misteriosas criaturas, é um exemplo do alcance e sucesso dos filmes nacionais. Claro, que, no filme, pesa o talento de um diretor reconhecido (Alê Abreu) que, há nove, emplacou com o longa O menino e o mundo, uma indicação ao Oscar de melhor animação. "Com Perlimps, temos um bom agente de vendas trabalhando: os franco-belgas BFF. O filme foi lançado em janeiro na França, se tornou a sexta bilheteria, na primeira semana de exibição, e teve o circuito expandido para 200 salas. Mais adiante, alcançaremos o mercado da Suécia, de Portugal e do Japão", conta Alê, em entrevista ao Correio.
Cinema, para Alê Abreu, é um lugar onde se pode entrar para se descobrir coisas e histórias. "Cinema é áudio e visual. Gosto de pensar como a criação de um universo, a partir de uma tela branca, feito de desenho, pintura, sons e música", enfatiza ele que, no Oscar, foi derrotado pela produção do gigante Divertida Mente. Com o prestígio de ser visto por mais de 50 mil espectadores, Chef Jack: O cozinheiro aventureiro, primeira animação em longas de Minas Gerais, trouxe um resultado muito bom, forte e pungente, na avaliação do diretor Guilherme Fiúza Zenha. "O mercado de salas de cinema é muito voraz e ávido, onde pesa a questão de resultados. Com o nosso filme mais voltado para o público infantil e para a família, e a volta às aulas, há ainda um volume gigante de títulos a ser lançado, em função da própria pandemia. Acho que o filme tem se saído muito bem", reforça Zenha. No filme, um renomado chefe de cozinha integra a disputa num concurso de proporções mundiais, a fim de recuperar o prestígio que sempre teve.
Digladiar, tal qual um "micro Davi", com as sequências de êxitos como Gato de botas e Avatar — apoiados por marketing muito bem definido e com intensa expectativa de público — não abateu a Immagini Animation Studios, na produção inaugural. "Hoje, em dia, não tem como fazer um filme absolutamente infantil voltado para sala de cinema — tem que haver comunicabilidade com os pais também, no que a gente chama de family movie.
No Chef Jack temos isso, com piadas maravilhosas para adultos: geramos identificação nos dramas entre filhos e pais", entrega o diretor. A perspectiva de circulação no mundo inteiro vem da chancela da distribuidora: a Sony Internacional, "empresa que tem tudo para levar o filme para fora, assim como ela costuma trazer muito para cá os filme do exterior", diz Zenha.
Para além de questões amplas de amizade, "junto com a derrubada de alguns valores da nossa sociedade, que estão em voga" (como reforça o diretor), o filme com criação e roteiro de Artur Costa tomou três anos, na realização, e almeja intensificar os espectadores. "Mexemos com questões atuais como a da quantidade de seguidores nas redes sociais. Temos tudo para atingir apelo global, especialmente, num tipo de filme que já derruba barreiras, como é o caso da língua (e dublagens)", explica Guilherme Fiúza Zenha.
Pioneirismo
Primeiro longa-metragem em animação feito em Goiás, A ilha dos ilús, finalizado há quatro meses atravessa, atualmente, a fase dos festivais de cinema, com direito à passagem pelos importantes FICI (RJ) e Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. A perspectiva é de mais meio ano integrado a mostras, até o lançamento em cinema, ao final de 2023. Dublado em espanhol, será distribuído em países da América Latina. Por enquanto, a produção foi vista em restritas exibições no México, Rússia, Venezuela, Havaí, Índia, Peru e EUA. Desde a idealização, já foram 12 anos, como conta o criador, roteirista e diretor Paulo G.C. Miranda. "Foram quatro anos para o projeto ser aprovado, dois outros anos para a chegada do investimento e mais seis de produção. A gente faz a história pensando no filho pequeno e, quando acaba, ele está até ajudando no filme", diverte-se.
A própria história de produção do filme, que trata da dinâmica em um lugar em que os animais ficam, antes mesmo de nascerem. renderia outro filme. "Em seis anos de produção, acontecem muitas coisas para desequilibrar a harmonia entre orçamento e cronograma. Houve de trocas de pessoal na equipe, até a mudança física da sede da produtora, sem falar da pandemia", observa Miranda.
Na perspectiva do realizador, um dos diferenciais entre a maioria dos longas com consumo destinado a público infanto-juvenil e de adolescentes e adultos, está no público-alvo, realmente mais infantil. "A trama traz mensagem de respeito à diversidade, ao valor da amizade e à importância da cooperação", simplifica, ao tratar do enredo que enfoca o cachorrinho Pocó que, rejeitado, ao ser enviado para a família errada, e que volta para a ilha, desnorteado.
Processo
Tratados como "ícones", Carlos Saldanha, Ziraldo e Mauricio de Sousa, como atesta Paulo G.C. Miranda, são mais do que inspiração. "Muitas coisas importantes na animação brasileira existem hoje porque esses caras deram os primeiros passos. Se eles lerem a reportagem, aproveito para agradecer!", reforça.
Depois da experiência e do conhecimento técnico acumulados desde o primeiro curta-metragem, feito há 21 anos, Miranda avalia: "Produzir um longa de animação é um desafio gigantesco, por isso temos tão poucos filmes de animação feitos no Brasil". Para A ilha dos ilús, o investimento encampou o design único e estilizado dos personagens e "a construção de paisagens sonoras e visuais vibrantes".
Com a restrição de orçamento, estimado em US$ 250 mil, A ilha dos ilús não encoraja comparativos com as produções animadas norte-americanas, criadas a partir de US$ 40 milhões. "O dinheiro é visto na tela. Com o valor que eles pagam os primeiros rabiscos a gente fez o nosso longa inteiro. Lógico que vai ter diferença. Mas focamos sempre em impressionar com uma boa história, com boas mensagens e delicadezas para dialogar com o público infantil", conclui Miranda.
Entrevista com o cineasta Alê Abreu
Você supervisiona, tudo em time, ou tudo o que é traço sai da tua cabeça?
Às vezes, sozinho, às vezes, em time, e faço de tudo, em quase todas as etapas. A etapa de desenvolvimento, que é o começo de tudo, é mais sozinho e por um período longo.
De onde saiu tanta cor no filme? É uma guinada de estilo?
A cor do filme vem principalmente da ideia que os Perlimps entram nesse mundo através da luz. Assim como João de Barro nos conta no início do filme: “É por uma luz tão forte que entra neste mundo…”. Quis então trazer essa ideia do prisma,do arco-íris, para o visual do filme. E de um uso muito livre das cores.
Você teve oportunidades de carreira no exterior?
Tive. Após o Oscar (com a indicação do longa O menino e o mundo) recebi um roteiro para ler, de uma produtora inglesa de animação CGI. Mas já estava com meu filme em desenvolvimento e optei por seguir aqui. Também tivemos produtoras da Europa (França, Dinamarca e Luxemburgo) interessadas em coproduzir Perlimps, o que só não foi para frente por uma questão de burocracia na própria Europa. Mas seguimos em contato e é muito provável que elas estejam envolvidas em meus próximos projetos.
Qual o país mais rico em termos de animação? Quem admira, lá de fora?
Além dos EUA, poderia citar França e Japão como países que têm uma cultura de animação, produção independente local e uma indústria forte.
O teu processo de criatividade é definido, como se fomenta? Existe, desde sempre, objetivo claro?
Meu processo é uma bagunça. Vou juntando notas, desenhos, etc. formando pedacinhos de histórias. Até que em algum momento surge um projeto. Gosto de viver nessa espécie de caos. Perlimps já tinha este teor ecológico, mas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi (produtores) foram muito importantes, fundamentais, para me ajudar a construir a história. São grandes diretores e me direcionaram muito na dramaturgia.
Quais os oponentes mais imediatos para a natureza, no país? A represa remete a um tempo submerso do Brasil, tempo a ser esquecido, pela lembrança da ditadura?
Acho que tudo deve partir da consciência. E é urgente. Os filmes, a arte, de certa forma, podem ajudar a gente a entender onde e quando vivemos. Penso na represa como a infância, e a força que ela tem, que ficará submersa para sempre em algum lugar dentro da gente. Mas é possível outras conexões. Gosto do filme aberto a estas possíveis metáforas.
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